Antes
de comentar a vida de São Lourenço de Bríndisi, vale a pena termos uma noção do
que era um capuchinho no século XVI, para melhor avaliarmos a projeção da
figura desse santo no mundo daquele tempo.
Conhecemos
o traje clássico dos capuchinhos. É aquele hábito marrom- claro, na cintura um
rosário, sendo que as fileiras de contas são unidas pela figura de uma caveira.
Calçam sandálias sem meias, usam a barba grande e cabelo aparado quase rente.
O
capuchinho entrava, desse modo, num contraste violento com o modo de se trajar
e de se apresentar dos homens da época.
Era
esse o papel simbólico dos capuchinhos na civilização daquele tempo.
Representavam tudo quanto há de austero na vida, e constituíam a contrapartida
harmônica de tudo quanto havia de magnífico na vida, que a civilização daquele
tempo estava elaborando.
Desde a infância preparando a
alma para grandes batalhas
Vamos
agora estudar a vida desse Santo sob esse aspecto. Passemos à leitura de
trechos da biografia dele.
Nasceu
em Bríndisi, em 1559. Foram seus pais das mais nobres famílias daquela cidade.
Tinha apenas quatro anos quando pediu aos pais para entrar no convento dos
Frades Menores. Os pais acederam. Lourenço era aplicado. Gostava muito de ouvir
sermões, retinha-os facilmente e os repetia com exatidão. Às vezes faziam-no
pregar no Capítulo, para que todos ouvissem.
Que
encanto um capuchinhozinho com voz de criança, mas já com catadura de atleta de
Cristo, fazendo sermões que ele ouvia e repetia! Isso ia formando o menino para
as grandes batalhas que ele ia travar, para o desembaraço que constitui uma das
formas da grandeza capuchinha.
O
Arcebispo, a quem a notícia chegou, quis também ouvi-lo, e o obrigou a ir
pregar na catedral diante de numeroso público, que muito proveito tirou.
Levemos
em consideração que, naqueles lugares pequenos da Itália — sem rádio,
televisão, cinema — qualquer singularidade despertava curiosidade. Assim a
Catedral se enchia para ouvir o sermão de um meninozinho extraordinário. O
povo, como era naquele tempo, falante, exuberante, fazendo comentários antes de
chegar o menino. De repente, este sobe, começa a fazer ouvir sua voz, o
silêncio se estabelece aos poucos. Terminado, o órgão toca, alguém canta uma
Ave-Maria, e o público vai lentamente se escoando depois de ter recebido a
bênção do Bispo.
O
menino entra no convento e não ouve nenhuma das repercussões. Vai dormir e, na
manhã seguinte, está limpando o chão.
Ao
receber pressões da mãe, São Lourenço foge.
Tendo
morrido seu pai, quis a mãe que o filho voltasse para casa, a fim de lhe fazer
companhia. Mas o jovem procurou esquivar-se às solicitações dela e fugiu para
Veneza, onde estava um tio seu, sacerdote, reitor do Colégio de São Marcos.
Veneza
de manhãzinha, com seus palácios, seu panorama aquático magnífico, mil jogos de
luz maravilhosos. O fradinho que fugiu e viajou a noite inteira entra
tranquilamente na cidade, toma uma gôndola e, de pé, olhando os palácios e
pensando em como o Reino dos Céus é maior do que o da Terra, chega à casa do
tio para estudar. O tio era aliado de Deus e o acolhe, e a mãe desiste de
exercer seu poder.
Concluindo
ele os estudos de filosofia, seu tio o destinou à Faculdade de Direito
Canônico. Chegado aos 17 anos, pediu o hábito capuchinho, e o Provincial lhe
concedeu com gosto. Em 24 de março de 1576, ele fez a solene profissão.
Maravilhosas conversões
Aos 36
anos, foi nomeado Ministro Geral para toda a Ordem. Quando Clemente VIII mandou
os capuchinhos para a Alemanha, o Santo foi um dos encarregados. O Imperador
[do Sacro Império] teve grande satisfação nessa escolha e concedeu-lhe ampla
autorização para fundar mosteiros. Fundou-os na Boêmia, Áustria, Morávia e
Silésia.
Fundar
mosteiros é encontrar vocações para eles, encontrar dinheiro para construí-los
e superiores para dirigi-los. É difícil encontrar quem queira levar a vida
austera de um capuchinho. Mas ele formou mosteiros em todas essas regiões.
Os
Sumos Pontífices confiaram-lhe as mais delicadas missões. Várias vezes foi
enviado como embaixador a cortes de diversos príncipes. Estes o honravam também
com o caráter de seu embaixador. Assim compareceu às cortes dos príncipes da
Alemanha e até à Dieta do Império. Seu zelo reteve naquele país e heresia
luterana.
Podemos
imaginar cenas de Cortes: o arauto anuncia que vai entrar no salão o Embaixador
do Santo Padre, tido como o decano dos diplomatas em todos os países católicos,
e entra o frade capuchinho na singeleza de seus trajes. Grande reverência ao
rei, e prossegue, no meio dos tapetes de luxo, do esplendor, sereno e indiferente,
sem revolta e sem admiração, com os olhos postos no Céu e pregando a verdade,
às vezes terrível.
Imprudente no nível humano,
prudente no sobrenatural
O
Imperador desejou que alguns capuchinhos fossem como capelães do exército à
Hungria. São Lourenço foi à frente da missão. Era general o Arquiduque Matias,
irmão do Imperador, o qual, estimulado pelas promessas que lhe fazia Lourenço
da parte de Deus, de alcançar vitória sobre os inimigos, determinou atacá-los
perto de Alba Real.
O
Arquiduque, excelente general, considerava imprudente atacar os maometanos, que
estavam chegando pelos Bálcãs para atacar a Hungria e depois a Áustria, por
assim dizer, pelas costas, enquanto os Habsburgos tinham de enfrentar o ataque
dos protestantes da Alemanha e a oposição política francesa.
Situação
crítica para a Casa d’Áustria. O Arquiduque Matias, parente do Imperador,
generalíssimo das tropas do Império Romano-Alemão, diante dos turcos duvida se
ataca ou não. Podemos imaginá-lo numa tenda magnífica, reunido com seus homens
de guerra, olhando mapas sobre uma mesa de emergência, discutindo se avança ou
não, com dados obtidos pelos espiões. Segundo as regras da técnica militar, a
batalha é imprudente. Entra então a sentinela e diz: “Frei Lourenço quer
falar”. O Arquiduque Matias aquiesce e o capuchinho entra, avisando a revelação
de Deus: “Podem dar o ataque, porque vencerão”.
Há um
momento de sensação, quando, ouvido o religioso, que não dá razões técnicas,
mas só as ouvidas do Céu, os generais veem o Arquiduque hesitar. Alguém um
tanto incrédulo diz: “Alteza, não permita essa luta. Será o fim dos exércitos e
o fim da Arquifamília” (chamavam desse modo pitoresco a família dos
Arquiduques).
— Não —
repete Frei Lourenço. — A glória da Arquifamília está na batalha. Seus caminhos
passam pelos caminhos de Deus. Para a frente! Ordena o ataque.
Naquele
tempo ainda havia Fé. Os homens criam. O Arquiduque decide dar a batalha,
porque Frei Lourenço lhe prometeu vitória. Batalha imprudente no terreno
humano, mas prudente no terreno sobrenatural, que ia ser abençoada por Deus.
Os
cristãos, embora inferiores em número, acometeram com tal ímpeto que galgaram
de espada em punho as trincheiras, conseguindo uma vitória completa e a
conquista de Alba Real. Os turcos recuaram. Esse sucesso, que custou apenas 30
homens aos cristãos, julgaram todos que foi devido às orações de Lourenço, o
qual, durante todo o combate, montado em um cavalo, animava os soldados a
combaterem pela fé.
Que
cena magnífica! O capuchinho montado a cavalo, segurando as rédeas com uma mão
e a cruz com outra. E o tempo inteiro percorrendo as fileiras e estimulando à
luta, prometendo o Céu para quem morresse.
E
aqueles homenzarrões, com parte do armamento ainda de metal, tendo de enfrentar
tiros de canhão ainda incipiente, projéteis com pedras, e a carga contrária dos
maometanos, o ouvem tão inflamados que vão com ímpeto, fazendo os maometanos
flectirem e fugirem. Podemos imaginar como foi o declínio da tarde sobre Alba
Real conquistada pelos católicos. A alegria das tropas católicas diante do
milagre evidente. O Arquiduque talvez na casa do governador maometano de Alba
Real; todos descansando nos vários lugares da batalha. Repicam os sinos. Frei
Lourenço está chamando para a prece. A igreja está cheia. Entram, ele está
junto ao altar e canta um magnífico Te Deum. Isso é viver!
Extraído
e adaptado da revista Dr Plinio Jan 2003
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui seu comentário