• Santo do mês


    São Miguel Arcanjo
     
    Os anjos foram dotados por Deus de inteligência perfeitíssima e, no entanto, pecaram, revoltando-se contra seu Criador. Mistério do mal... São Miguel, por sua fidelidade, recebeu em prêmio a missão de proteger a Santa Igreja.
     Todos os domingos, um incontável número de fiéis no orbe católico canta ou recita durante a celebração da sagrada Eucaristia o símbolo da nossa fé. As verdades de nossa santa religião são proclamadas, uma após outra, numa inspirada e sublime síntese, até completar a totalidade da única doutrina da fé: “Assim como a semente da mostarda contém num pequeníssimo grão um grande número de ramos — ensina-nos São Cirilo de Jerusalém—, da mesma forma este resumo da fé encerra em algumas palavras todo o conhecimento da verdadeira piedade contida no Antigo e no Novo Testamento” (1).
    “Creio em Deus Pai todo-poderoso!” Depois desta primeira e fundamental afirmação, da qual dependem todos os outros artigos do Credo, proclamamos em seguida “o começo da história da salvação” (2): “Criador do Céu e da terra!”
     O mistério da criação
    Deus, Ser absoluto e eterno, não precisava de nenhuma criatura que Lhe rendesse homenagens e reconhecesse sua grandeza sem limites. Entretanto, em sua misericórdia, quis criar, não para aumentar a própria glória, intrínseca e sempiterna, mas para manifestar seu amor todo-poderoso e “comunicar sua glória” (3) aos seres por Ele criados, fazendo-os participar de sua verdade, sua bondade e sua beleza.
    Uma imensa multidão de criaturas diversas e desiguais — seres visíveis e invisíveis, inteligentes ou desprovidos de razão, dispostos numa maravilhosa hierarquia — constituiu então a Ordem do universo, reflexo da perfeição adorável do Ser infinito, que só se manifestaria totalmente, na plenitude dos tempos, por seu Filho Unigênito, Jesus Cristo, o Verbo eterno encarnado.
    Explica o Doutor Angélico que “todo efeito representa algo da sua causa”(4). Assim, em todas as criaturas podemos encontrar vestígios da eterna Sabedoria que as tirou do nada: nos astros que enchem as vastidões do firmamento e cujas constelações encontram-se separadas, às vezes, por milhões de anos-luz; nos diminutos grãos de areia, jamais iguais entre si, que cobrem desertos e praias; na variedade assombrosa de vegetais, que vai da “erva do campo que hoje existe e amanhã é queimada”(Mt 6, 30) às seculares sequóias e jequitibás; no admirável instinto dos insetos, na fidelidade quase inteligente de um cão, na delicadeza virginal de um arminho, nos milhares de micróbios que podem pulular numa gota de água... Mas quis Deus espelhar-se sobretudo no homem, criando-o à sua imagem. E ao constituí-lo um composto de corpo corruptível e alma imortal, o tornou elo de ligação entre a matéria e o mundo espiritual.
    O mundo angélico
    Porém, no alto desta grandiosa hierarquia, “superando em perfeição todas as criaturas visíveis” (5), colocou Deus a natureza angélica: espíritos puros, inteligentes e capazes de amar, cheios da graça divina desde o início de sua existência, na aurora da primeira manhã da criação. Distribuídos e ordenados por Deus em nove coros (6) — Serafins, Querubins, Tronos, Dominações, Virtudes, Potestades, Principados, Arcanjos e Anjos — constituem o exército da celeste Jerusalém e receberam a tríplice missão de perpétuos adoradores da Santíssima Trindade, executores dos divinos desígnios e protetores do gênero humano.
    Imensa e incalculável é esta corte do Senhor. “Porventura podem ser contadas as suas legiões?”, pergunta o livro de Jó (25, 3). E o profeta Daniel, abismado, escreveu: “Eram milhares de milhares os que o serviam, e mil milhões os que assistiam diante d’Ele” (Dn 7, 10). Entretanto, cada um desses espíritos possui uma personalidade própria, inconfundível e específica, não havendo sido criado um igual ao outro (7).
    O primeiro dos anjos
    A tanta diversidade e esplendor quis Deus colocar um ápice, um ponto monárquico, um ser que espelhasse de modo inigualável a luz eterna e inextinguível. Maravilha dentre as maravilhas, obra-prima do mundo angélico, fulgurava no mais alto dos coros e todos extasiavam-se diante dele. “Tu és o selo da semelhança de Deus, cheio de sabedoria e perfeito na beleza; tu vivias nas delícias do paraíso de Deus e tudo foi empregado em realçar a tua formosura!” (cf. Ez 28, 12-13).
    Sendo o primeiro dos serafins, iluminava todos os espíritos celestes com os reflexos da divindade que sua inteligência ímpar discernia com o auxílio da graça. Lúcifer era seu nome: o que levava a luz...
    A prova dos espíritos celestes
    Entretanto, antes de poder contemplar, por toda a eternidade, a essência de Deus, devíamos anjos passar por uma prova, e apesar da altíssima perfeição da sua natureza, “não podiam dirigir-se a esta bem-aventurança por sua vontade, sem ajuda da graça de Deus” (8).
    Diante deles a face do Ser infinito permanecia como que envolta em penumbras e só seus reflexos eram capazes de alimentar o ardente amor das legiões do Senhor.
    Segundo afirmam Tertuliano, São Cipriano, São Basílio, São Bernardo e outros santos, a prova que decidiu o destino eterno dos espíritos angélicos foi o anúncio da Encarnação do Verbo, Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, o qual haveria de nascer da Virgem Maria.
    Podemos imaginar, então, que um frêmito de assombro percorreu as fileiras das milícias celestes ao conhecerem intuitivamente, por uma ação de Deus, o plano da Salvação: o Criador eterno, inacessível, todo-poderoso, se uniria hipostaticamente à natureza humana, elevando-a assim até o trono do Altíssimo; e uma mulher, a Mãe de Deus, tornar-se-ia medianeira de todas as graças, seria exaltada por cima dos coros angélicos e coroa da Rainha do universo!
    O inexplicável surgia diante dos anjos como sendo o píncaro e o centro da obra da criação.
    A prova havia chegado. Amar sem entender!
    Amar sobre todas as coisas ao Deus Altíssimo que numa sublime manifestação de seu amor havia tirado do nada todas as criaturas! Reconhecer, num supremo lance de adoração e submissão,  a superioridade infinita da Bondade absoluta e eterna!
    Era este o ato que confirmaria os espíritos angélicos na graça divina e os introduziria na visão beatífica para todo o sempre.
    A primeira revolução da História
    Lúcifer, porém, duvidou diante de um mistério que ultrapassava seu angélico entendimento. Será que Deus ignorava a natureza perfeitíssima dos anjos e preferia unir-Se a um ser humano, tão inferior a eles na ordem das criaturas? Ele, o mais alto dos serafins, seria compelido a adorar um homem? “Esta união hipostática do homem com o Verbo pareceu-lhe intolerável e desejou que fosse realizada com ele”, afirma Cornélio a Lápide (9). Sim, só a ele mesmo, Lúcifer, “o perfeito desde o dia da criação”(Ez 28, 15), deveria Deus unir-Se e deste modo constituí-lo como o mediador único e necessário entre o Criador e as criaturas. Assim, “aquele que do nada havia sido feito anjo, comparando-se, cheio de soberba, com o seu Criador, pretendeu roubar o que era próprio do Filho de Deus”, conclui São Bernardo (10).
    “O anjo pecou querendo ser como Deus” (11) e o príncipe da luz tornou-se trevas.
    Fez-se ouvir o primeiro grito de revolta da história da criação: “Não servirei! Subirei até o Céu, estabelecerei o meu trono acima dos astros de Deus, sentar-me-ei sobre o monte da aliança! Serei semelhante ao Altíssimo!”(cf. Is 14,13-14).
    O defensor da glória de Deus
    Ecoou, então, um brado no Céu:  “Quem como Deus?”
    Entre o anjo revoltado e o trono do Todo-Poderoso erguia-se “um dos primeiros príncipes” (Dn 10, 3), um serafim incomparavelmente mais esplendoroso e forte do que havia sido “o que levava a luz”.
    Quem era este que ousava desafiar o mais alto dos anjos e agora refulgia invencível, revestido do “poder da justiça divina, mais forte que toda a força natural dos anjos” (12)?
    Quem era este? Chama viva de amor, labareda de zelo e humildade, executor da divina justiça.
    “Quem como Deus?” — Milhões de milhões dos espíritos celestes repetiram o mesmo brado de fidelidade.
    “Quem como Deus?” — Este sinal de fidelidade, que em hebraico se diz Mi-ka-el, passou a ser o nome daquele serafim que por sua caridade ímpar foi o primeiro a levantar-se em defesa da Majestade ofendida.
    Michael, Miguel: nome que exprime, em sua sonora brevidade, o louvor mais completo, a adoração mais perfeita, o reconhecimento mais cheio de amor da transcendência divina e a confissão mais humilde da contingência da criatura.
     A primeira batalha de uma guerra eterna
    “Houve no Céu uma grande batalha”(Ap 12, 7). Luta entre anjos e demônios, luta da luz contra as trevas, da fidelidade e contra a soberba, da humildade e da ordem contra o orgulho e a desordem. “Miguel e os seus anjos pelejavam contra o dragão, e o dragão com os seus anjos pelejavam contra ele” (Ap 12, 7).
    Satanás, desvairado de orgulho e “obstinado em seu pecado” (13), “arrastou a terça parte” (Ap 12, 4) dos espíritos angélicos, submergindo-os consigo nas trevas eternas da revolta.
    Porém, estes não prevaleceram, nem o seu lugar se encontrou mais no Céu. Foi precipitado aquele grande dragão, que se chama demônio e Satanás, e foram junto com ele os seus anjos (cf. Ap 12, 8-9) nos abismos tenebrosos do inferno (cf. 2Pd 2, 4).
    Um imenso clamor encheu o universo: Como caíste do céu, ó astro resplandecente, que no nascer do dia brilhavas? (cf. Is 14, 12). A tua soberba foi abatida até os infernos! (cf. Is 14, 11).
    E enquanto o serafim revoltado era visto “cair do céu como um relâmpago”(Lc 10, 18) e ser condenado ao fogo inextinguível, “preparado para ele e os seu anjos” (Mt 25, 41), São Miguel era elevado pelo Rei eterno ao píncaro da hierarquia dos anjos fiéis e se tornava o “gloriosíssimo príncipe da milícia celeste”, como é designado pela liturgia da Santa Igreja Católica.
    O novo campo de batalha
    Restabelecida a ordem nos céus angélicos, o campo de batalha onde prosseguiu a luta entre a luz e as trevas passou a ser a terra dos homens.
    O anjo destronado conseguiu seduzir nossos primeiros pais a pecarem, como ele, contra o Altíssimo, querendo ser como deuses (cf. Gn 3,5), e o Senhor Deus declarou guerra ao tentador: “Porei inimizades entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela” (Gn 3, 15).
    A partir deste momento uma luta árdua contra o poder das trevas perpassa a história da humanidade. Iniciada na origem do mundo, vai durar até o último dia, segundo as palavras do Senhor. Inserido nesta batalha, o homem deve lutar sempre para aderir ao bem (14).
    Neste combate, além das armas decisivas da graça de Deus, que recebemos superabundantemente por meio dos sacramentos, contam os homens com o auxílio e a proteção dos anjos. E ao príncipe da Jerusalém celeste corresponde a capitania de todas as legiões angélicas na luta contra as forças do inferno, pela salvação das almas. Assim, São Miguel continua na terra aluta triunfal que iniciou no Céu.
    Protetor do povo eleito e da Santa Igreja
    Foi São Miguel o anjo tutelar do povo de Israel.
    Nas Sagradas Escrituras, é ele mencionado pela primeira vez no livro de Daniel. Este profeta, ao escrever as revelações recebidas do anjo Gabriel sobre o combate para libertar a nação eleita da servidão aos persas, afirma que ninguém a defenderá “a não ser Miguel, vosso príncipe” (Dn 10, 22).E acrescenta ao narrar as tribulações de épocas vindouras: “Naquele tempo, surgirá Miguel, o grande príncipe, o protetor dos filhos de seu povo” (Dn 12, 1).
    O serafim da fidelidade não cessou de proteger o povo de Israel e velar pela fé da Sinagoga até o momento supremo da morte de Nosso Senhor Jesus Cristo.
    Escureceu-se o sol e houve trevas, aterra tremeu, fenderam-se as rochas e o véu do Templo — monumental tecido de jacinto, púrpura e escarlate que cobria a entrada do impenetrável “Santo dos Santos” — rasgou-se em duas partes, de alto a baixo (cf. Mt 27,51; Mc 15, 38; Lc 23, 45). Narra-nos o famoso historiador judeu, Flávio Josefo, que depois desses acontecimentos os próprios sacerdotes do Templo escutaram dentro do recinto sagrado uma misteriosa voz que clamava repetidas vezes: “Saiamos daqui!” (15).
    São Miguel, a sentinela de Israel, abandonava definitivamente o Templo da Antiga Aliança, inútil agora, porque o único e verdadeiro sacrifício acabava de consumar-se no alto do Calvário. Do coração trespassado do Cordeiro Imaculado nascia a Santa Igreja, Corpo Místico de Cristo, Templo eterno do Espírito Santo. E a partir desse instante, Miguel o triunfador, o primeiro adorador do Verbo encarnado, tornou-se também o vigilante protetor da única Igreja de Deus.
    A este respeito escreveu o cardeal Shuster: “Depois do ofício de pai legal de Jesus Cristo, que corresponde a São José, não há na terra nenhum ministério  mais importante e mais sublime do que o conferido a São Miguel: protetor e defensor da Igreja” (16).
    1) Cathecheses Iluminandorum, in CIC, 186.
    2 ) CIC, 280.
    3 ) CIC, 319.
    4 ) Suma Teológica, I, q. 45, a. 7.
    5 ) CIC, 330.
    6 ) Cf. Suma Teológica I, q. 108, a. 5.
    7 ) Cf. Idem, I, q. 50, a. 4.
    8 ) Idem, I, q. 62, a. 2.
     9 ) A. Bernet, Enquête sur les Anges, Librairie Académique Perrin, 1997, p. 43.
    10 ) Obras Completas, BAC, Madrid, 1953, vol. 1, p. 215.
    11 ) Suma Teológica I, q. 65, a. 5.
    12 ) Idem I, q. 109, a. 4.
    13 ) Idem, I, q. 64, a. 2.
    14 ) Gaudium et spes, 37, 2.
    15 ) Cf. História dos hebreus, Editorial das Américas, São Paulo, 1963, vol. 8, p. 304.
    16) Año Cristiano, BAC, Madrid, 2002, vol. 9, p. 266.
    Pe. Pedro Morazzani Arráiz, E.P.

    Revista arautos do Evangelho,  Número 69, Setembro 2007

    Santo Estanislau Kostka
    Enquanto o povo olhava admirado para Jesus, recebendo com avidez as palavras cheias de graça e de verdade que saiam de seus lábios, levantou-se um doutor da Lei e fez-Lhe esta pergunta: "Mestre, qual é o maior mandamento da Lei? Respondeu Jesus: Amarás o Senhor teu Deus de todo teu coração, de toda tua alma e de todo teu espírito. Este é o maior e o primeiro mandamento. Nesses dois mandamentos se resumem toda a lei e os profetas" (Mt 22, 36-38. 40).
    Esse divino ensinamento, transmitido de geração em geração desde os tempos de Moisés e confirmado como o mais excelente entre todos pelo próprio Salvador, continuará vigorando em todo o seu esplendor até a consumação dos séculos. É o mandamento principal, à luz do qual todos os outros se explicam e cuja ausência desarticula a perfeição do Decálogo, porque é ao seu redor que gravita o sentido da existência humana.
    Muito embora os cristãos que professam sua fé com honestidade de consciência nunca ponham em dúvida essa lição do Evangelho, acabam por deparar com dificuldades à hora de aplicá-la em suas vidas concretas. Facilmente o coração do homem se prende às aparências sensíveis que o cercam, deixando de escolher a "melhor parte". Poderão ser as seduções das riquezas, o afago das honras ou a mentira dos vícios que desvirtuarão um coração a princípio bem intencionado, porém voltado antes para a Terra que para o Céu.
    Há, ademais, na vida de todos nós, um momento crucial do qual ninguém está isento e onde se define, para sempre, a intensidade com que se pratica o maior dos mandamentos: é a hora em que se manifesta a vocação de cada um.
    Para cada alma, um chamado
    Todos os cristãos recebem na pia batismal um chamado específico, pessoal e conferido diretamente pelo próprio Deus, sempre acompanhado pelo maternal olhar da Santíssima Virgem. Ao longo da vida, cedo ou tarde, ele se manifesta de modo claro e irresistível, sussurrando no profundo dos corações: "Este é o desígnio que a misericórdia de Deus lhe reservou. Abrace-o, pois é no seu cumprimento que está a felicidade".
    Seguir com fidelidade e alegria esse chamado de Deus, qualquer que seja ele, é antes uma obra da graça que de nossa vontade. Tão proeminente é nossa insuficiência, que se estivermos reduzidos às próprias forças, certamente seremos vencidos pela miséria humana.
    Tampouco são as teorias ou textos doutrinários, sozinhos, que levam nossa vontade a abraçar as vias da Providência, pois já dizia São Paulo que "a letra mata, mas o Espírito vivifica" (II Cor 3, 6).Entre os fatores capazes de conduzir as almas à correspondência da sua vocação, podemos citar dois decisivos: as moções interiores de cunho sobrenatural e os bons exemplos recebidos.
    Entre esses últimos, a vida dos santos ocupa um destacado lugar, pois eles foram generosos e fiéis no seu "sim", motivo pelo qual são apresentados pela Santa Igreja como modelos a serem imitados. Conheçamos a vida de um deles: jovem, rico e poderoso, porém cônscio de que acima de tudo, está a vontade de Deus. Seu nome é Estanislau Kostka.
    Três cruzes misteriosas
    O dia 28 de outubro de 1550 foi de grande festa no castelo de Kostkow, em Prasnitz, Polônia. O senador João Kostka anunciava orgulhoso o nascimento de seu filho Estanislau aos grandes do reino, que acorriam ao castelo para contemplar o pequeno anjo dormitando em berço de ouro. Aquele nascimento, entretanto, estava envolto num suave mistério: o bebê trazia no peito três cruzes rubras, de inexplicável origem. O pai queria forçosamente interpretá-las como um sinal das façanhas e glórias militares que o pequeno obteria para aumentar as grandezas da família, assinalada entre as mais nobres e influentes da Polônia. Já a mãe, Margarida Kriska, tinha um coração religioso, e entrevia nesse prodígio um sinal do céu: aquele era um menino predestinado por Deus.
    Os acontecimentos dariam sobrada razão à mãe virtuosa. No menino transparecia toda espécie de qualidades de espírito, e pairava ao seu redor uma aura de inocência e louçania. Bastava falar de qualquer assunto religioso que seus olhos brilhavam de contentamento, desejando sofregamente que lhe ensinassem as coisas do Céu.
    Igualmente, não podia suportar que proferissem qualquer palavra contrária à glória de Deus em sua presença. Conta-se que num fausto banquete oferecido pelo senador Kostka, um príncipe aficionado às novas idéias da Reforma Protestante, não se contendo, estalou em impropérios contra a Igreja Romana e o próprio Deus. Viu-se, então, o menino cair desmaiado diante de todos. Consternados, os convivas perguntavam donde provinha tal mal-estar, e calavam de estupor ao saber que diante do pequeno Estanislau não se podia ofender a Deus.
    Entre os pais do santo menino havia uma profunda divergência quanto à análise que faziam do próprio filho. Enquanto a mãe se encantava por ver desabrochar em sua alma uma elevada vocação, o pai obstinava-se em construir em sua imaginação façanhas e vitórias portentosas como jamais se vira, a não ser nos feitos de seus antepassados. Como de Paulo, o filho mais velho, ele percebia não poder esperar muito, era de Estanislau que, julgava, lhe viria a glória imortal: "Este é um Kostka genuíno. Ele será meu sucessor".
    Os estudos em Viena
    Paulo e Estanislau haviam recebido uma boa formação intelectual com Bilinski, o preceptor escolhido para iniciá-los nas ciências clássicas. Agora era necessário encaminhá-los para estudar em um grande estabelecimento, a altura do nome da família. A escolha recaiu sobre o Colégio Jesuíta de Viena, da Polônia a mais próxima instituição da Companhia, para onde acorriam numerosos jovens de vários países.
    Assim, aos 16 anos de Paulo e 14 de Estanislau, eles se despediram da casa paterna e partiram para terra estrangeira, a fim de completar a instrução acadêmica. Ambos prometeram à virtuosa mãe que jamais se entregariam a nenhum pecado, pois a pior desgraça que lhes podia acometer seria ofender a Deus. A promessa de Estanislau era sincera e profunda, enquanto Paulo dava mostras de cumprir uma mera formalidade.
    De fato, vendo os irmãos lado a lado, como eram diferentes! Em nada eram harmônicos. Estanislau amava o recolhimento, ao passo que Paulo era adepto das diversões pecaminosas. Com muita propriedade, as figuras de Esaú e Jacó pareciam reviver nos filhos do senador.
    "Ad maiora natus sum"
    A vida em Viena foi repleta de graças e cruzes. O carisma dos filhos de Santo Inácio tocou a fundo o jovem Estanislau. Admirava os jesuítas de toda alma, encantava-se com a pureza de sua doutrina e a comple ta adesão aos conselhos evangélicos daqueles sacerdotes flexíveis ao sopro do Espírito Santo. Não demorou em desejar ser como eles, pois a seus olhos, era na Companhia de Jesus que estava o mais alto ideal que pudesse abraçar. Foi da forte convicção de que havia nascido para coisas maiores que surgiu sua divisa: "Ad maiora natus sum".
    De outro lado, como foi preciso recorrer à proteção do Céu para perseverar na prática das virtudes! Várias vezes Paulo, movido pelo ódio à sua integridade, desferia-lhe golpes brutais deixando-o desfalecido e ensanguentado. Assim se expressou Bilinski no depoimento do processo de beatificação: "Paulo jamais disse uma palavra amável a seu santo irmão. Todavia, tanto ele quanto eu tínhamos completa consciência da santidade de todos os atos de Estanislau".
    Nossa Senhora veio curá-lo
    No terceiro ano da estadia em Viena a saúde de Estanislau sucumbiu ao peso da vida sacrificada que levava, e ele adoeceu gravemente. Espalhou-se o rumor de que corria risco de morte, e Paulo desesperou- se ao pensar em voltar para casa com o irmão morto. O santo doente implorou, então, a presença de um sacerdote e o Viático, pois a cada hora diminuíam-lhe, sensivelmente, as forças físicas. Kimberker, o dono da faustosa pensão onde se hospedavam, negou-lhe taxativamente este supremo consolo, sob pena de expulsá-los de seus aposentos caso um sacerdote católico adentrasse àquele recinto.
    A esse duro golpe, a Fé de Estanislau não esmoreceu. Rezou fervorosamente e confiou contra toda esperança. Qual não foi seu estupor ao ver numa manhã aproximarem- se três refulgentes anjos acompanhados de Santa Bárbara, trazendo-lhe a Sagrada Comunhão e cumulando sua alma de consolações e alegrias! Se a maldade dos homens lhe negara o que havia de mais sagrado, não seria a Providência Divina que o deixaria desamparado. Pouco depois ele viu aproximar- se de seu leito a figura soberana da Santíssima Virgem, que tra zia nos braços seu Divino Filho e lhe sorria. Num gesto maternal, ela depositou o Infante nos braços do pobre enfermo, e o Menino Jesus o cobriu de afagos. Naquele momento, todas as perseguições esvaeceram- se, os incontáveis sofrimentos pareceram-lhe como pó... Sim, valia a pena sofrer todas as privações para gozar daquele convívio celestial! Sentindo as forças voltarem-lhe repentinamente, ele ouviu a voz suavíssima da Rainha dos Céus:
    - "Agora que te curei, entra na Companhia de meu Filho! É Ele que o quer!".
    Resta apenas um caminho: o "impossível"
    O assombro que sua cura milagrosa provocou não foi pequeno. Revigorado e indescritivelmente feliz, Santo Estanislau pediu admissão ao Padre Provincial da Áustria, que não podia desprezar os sinais inequívocos de sua vocação. Contudo, recebê-lo sem o consentimento paterno seria uma imprudência que acarretaria trágicas conseqüências. Foi-lhe negado o acesso à congregação em que Nossa Senhora o mandara entrar. Que aflitivo paradoxo...
    A chama de entusiasmo e fervor que a visita celestial acendeu-lhe na alma foi tão grande que não se apagaria diante dessa primeira negativa. Ele estava disposto a bater em quantas casas dos jesuítas houvesse no mundo, certo de que alguma delas haveria de recebê-lo. Se o pai não o autorizava a seguir o chamado celestial, só lhe restava uma saída para levar ao perfeito cumprimento o mandato de Maria Santíssima: fugir.
    Numa madrugada soturna, disfarçado de peregrino e sem ter levantado qualquer tipo de suspeita, Estanislau partiu para a Alemanha. Foi a pé de Viena a Dillengen. Lá, finalmente pôde ser compreendido por São Pedro Canísio, que o admitiu na Companhia de Jesus, julgando, porém, que a permanência na Alemanha não o deixa seguro da tirania de seu pai. O local mais indicado era Roma, onde São Francisco de Borja, o Superior Geral, haveria de protegê-lo. Foi assim que ele partiu para atravessar os Alpes, os Apeninos, e chegar à Cidade Eterna, após dois meses de caminhada heroica e incansável. Transpôs, sem titubear, praticamente metade da Europa!
    Atingiu a perfeição de uma longa existência
    Aos dias de incomparável alegria passados no noviciado, seguiram-se as ameaças vindas da Polônia. O pai, sem conter o ódio, exigiu seu retorno a qualquer custo, pois ter um filho sacerdote seria "uma desonra para a família".
    Entretanto, bem diversos eram os desígnios de Deus. Nossa Senhora aparecera-lhe em Roma, e viera chamá- lo, dizendo que lhe restava pouco tempo de vida. Sua alma já estava pronta para o Céu!
    Assim, numa festa da Santíssima Virgem, ele comentou que muito em breve haveria de morrer. Ninguém acreditou. Subitamente, de um leve mal-estar, desencadeou-se no noviço uma forte febre e ele expirou santamente na festa da Assunção de Maria Santíssima, 15 de agosto de 1568.
    Como estava equivocado o nobre senador da Polônia! Deus havia reservado ao jovem Estanislau uma glória insuperável e eterna. Se hoje no mundo inteiro sua família é conhecida, e se tem a honra de figurar de forma indelével na memória da Santa Igreja, não é senão porque ali fulgurou o brilho da santidade de seu filho. Santo Estanislau Kostka provou para os jovens de todos os tempos que um homem vale na medida em que corresponde generosamente ao chamado de Deus e deseja as coisas do Alto.
    (Revista Arautos do Evangelho, Ag/2008, n. 80, p. 34 à 37)


    Santo Antônio

    "Doutor da Igreja", "Martelo dos Hereges", "Doutor Evangélico", "Arca do Testamento" é como os Papas o chamaram. Para o povo fiel, ele protege os pobres, auxilia na busca de coisas e pessoas perdidas, orienta os sentimentos e inspira a vida de oração; afugenta os demônios e a peste; cura os enfermos. Foi franciscano da primeira hora. Conhecido como milagreiro, sua própria vida foi um milagre contínuo.

    De Lisboa, de Pádua ou do mundo todo?

    Por alguns ele é chamado de Santo Antônio de Lisboa, cidade onde nasceu. Outros preferem chamá-lo de Santo Antônio de Pádua, lembrando a cidade onde exerceu suas funções e nas cercanias da qual morreu. Cada um desejando a glória de que o Santo tenha sido de sua cidade.

    Quem acabou resolvendo essa "disputa" foi o Papa Leão XIII que chamou Antônio de "o santo do mundo todo". E Leão XIII tinha razão: a devoção a Santo Antônio é universal.  Ele é verdadeiramente Santo Antônio de todo o mundo...

    Embora tendo uma vida terrena curta ---morreu aos 36 anos--- tornou-se um dos santos mais populares do mundo, sendo venerado tanto no Oriente quanto no Ocidente, no norte e no sul. No Brasil, a devoção a Santo Antônio foi uma herança deixada pelos portugueses.

    Santidade, Oratória e... Milagres

    Sua santidade, sua oratória e modo de ser, sua caridade: tudo isso contribuiu para que o nome de Santo Antônio corresse o mundo. Contudo, é inegável que os milagres a ele atribuídos ajudaram em muito o crescimento de sua popularidade.

    Durante seus sermões, ele falava uma só língua, porém, frequentemente, era entendido por pessoas de outros países, que falavam outros idiomas. Seu Provincial aproveitou-se desse fato miraculoso e o encarregou da ação apostólica contra os hereges na região da antiga Romagna e no norte da Itália. Ele tornou-se, então, um extraordinário pregador popular. Falava numa língua e era compreendido por todos...

    Era tal é a quantidade de fatos extraordinários e sobrenaturais que aconteciam durante suas pregações e depois delas ou que eram obtidos através de suas orações e intercessão que Frei Antônio é considerado o santo dos milagres.

    Sem dúvida, ele é o "Santo dos Milagres". Se relacionarmos os milagres a ele atribuídos chegaremos a um número impressionante. Pode ser até que essa tenha sido uma das causas de ele ter sido canonizado em menos de um ano após a morte.  E isto é certo, pois, a boca fala da abundância do coração. Assim como só quem admira pode entusiasmar, só quem é santo pode santificar...

    Fazia seus sermões por obediência

    Santo Antônio nunca havia feito um sermão ou falado em público. Em certa ocasião, de 1221, em Forli, sendo ainda um jovem frade, ele recebeu a incumbência de ser o pregador numa cerimônia de ordenação sacerdotal de franciscanos e dominicanos.
    Era uma circunstância totalmente casual: ele substituiria o pregador oficial, impossibilitado de comparecer.

    Por obediência, ele fez o sermão. Foi um sucesso. Mostrou-se tão dotado de conhecimentos e de eloquência e suas palavras eram tão carregadas de fé e sobrenaturalidade que surpreendeu até seu Provincial. Deixou todos admirados e maravilhados. Seus Superiores na recém fundada Ordem dos Franciscanos não tiveram dúvidas, em nome da "santa obediência", designaram Frei Antônio como encarregado das pregações. Ele obedeceu: foi o início de uma missão plena de sucessos e muitos frutos.

    Frutos de palavras, ou de santidade?

    Quando ele falava, as multidões acorriam ao local onde seria a pregação. Até os comerciantes fechavam seus estabelecimentos e iam ouvi-lo. As cidades onde ele pregava paravam e a região em torno delas também parava. Houve caso de se juntar até 30 mil pessoas num só sermão!

    As igrejas tornavam-se pequenas para conter tanto público. Então, ele ia falar nas praças públicas. E, quando terminava, "era necessário que alguns homens valentes e robustos o levantassem e protegessem das pessoas que vinham beijar-lhe a mão e tocar-lhe o hábito". O número de sacerdotes que o acompanhavam era pequeno para ouvirem as confissões daqueles que, tocados por seu sermão, queriam confessar-se e mudar de vida.

    Sem exagero: suas pregações eram seguidas de milagres como não se via desde o tempo dos Apóstolos. Praticamente não havia coxo, cego ou paralítico que, depois de receber sua bênção, não ficasse são.  Foi grande o número de convertidos por ele. Em certa ocasião converteu 22 ladrões que, apenas por curiosidade, tinham ido ouvi-lo...

    Santo Antônio foi chamado de "Martelo dos Hereges", isso porque em seus sermões os adversários da Igreja encontravam nele um inimigo formidável.  A mais antiga de suas biografias conta que "dia e noite (Frei Antônio) tinha discussões com os hereges; expunha-lhes com grande clareza o dogma católico; refutava vitoriosamente os preceitos deles, revelando em tudo ciência admirável e força suave de persuasão que penetrava a alma dos seus contrários". Talvez por isso sua língua esteja miraculosamente conservada em Pádua, há quase 800 anos.

    Os peixes vieram ouvi-lo

    Não se pode imaginar que a ação apostólica de Santo Antônio fosse feita sem dificuldades, sem oposições, sem a atuação dos inimigos da Igreja. Havia opositores, sim. E eles eram muito ativos. Mas, pior que os inimigos, eram os indiferentes.

    Em certa ocasião, na região de Rimini, no norte da Itália, os inimigos da Fé Católica queriam impedir que o povo fosse aos sermões do Santo. Para isso, prepararam uma cilada: enviaram comparsas até a próxima cidade em que Antônio iria. Antes da chegada do Santo eles espalharam seu veneno entre o povo:

    "- Antônio é um frade mentiroso e falso", cochichavam eles.

    Antônio chegou à cidade e começou sua missão. Estranhamente, durante seu sermão, o povo se mantinha indiferente e os hereges não o quiseram escutar virando-lhe as costas. O Santo não teve outra alternativa senão abandonar seus ouvintes. Mesmo assim, não desanimou: foi até à beira da água, onde o rio conflui com o mar, e chamou os peixes para escutá-lo.

    O resultado foi surpreendente: milhares de peixes de variados tipos e tamanhos aproximaram-se com a cabeça fora da água em atitude de escuta. E o Santo falou para eles. Aproveitou a ocasião para elogiar a participação dos peixes na história da salvação...

    Mais que uma atitude desconsertante, ali estava acontecendo um estupendo milagre! Os moradores que testemunharam o fato não deixaram de contar o ocorrido para o restante da população. A notícia correu por toda a cidade e, com ela, um sopro de entusiasmo percorreu a região sacudindo os indiferentes, deixando envergonhados os detratores de Antônio. Muitos deles se converteram. Foi uma lição...

    Milagre que pode converter até ateus de hoje...

    - Para poder crer na presença real de Jesus na hóstia consagrada, quero um milagre... Era o que dizia um pobre ateu por todos os cantos onde andava. Para ele, o Santíssimo Sacramento era uma burla, uma chantagem. Numa ocasião, diante de toda a cidade, fez a Santo Antônio uma proposta impia e arrogante:

    - Deixo minha mula sem comer durante três dias. Depois disso, trago o animal até essa praça e ofereço feno e aveia para ela. Enquanto isso, Frei Antônio, o senhor vai mostrar para a ela a Hóstia consagrada... Se a besta deixar a comida de lado e der atenção à Hóstia, se ela a reverenciar como se a adorasse... Ai, eu passo a acreditar. Passo a crer na presença de Jesus na Eucaristia! Santo Antônio aceitou a proposta.

    Três dias depois, na praça repleta, chega o homem puxando seu faminto animal. Santo Antônio também chegou. Respeitosamente, ela trazia uma custódia com Santíssimo Sacramento. O incrédulo colocou o monte de feno e aveia próximo de onde estava Frei Antônio e, confiante, soltou o animal. Conforme o que se havia combinado, a mula deveria escolher sozinha entre o alimento e o respeito à Hóstia consagrada.

    O suspense geral foi quebrado quando o animal, livre de seus cabrestos, calmamente, dobrou seus joelhos diante da Custodia com o Santíssimo Sacramento. Um milagre suficiente para converter até ateus de hoje...

    Devoto de Maria, amigo de Jesus

    Desde pequenino, Antônio foi devoto de Nossa Senhora. Rezava sempre a Ela e recorria continuamente a seu socorro. E ela atendia constantemente. Um dia, por exemplo, já religioso, quando o demônio já não podia mais suportar o bem que o santo fazia, agarrou-o pelo pescoço tão violentamente que estava a ponto de enforcá-lo. Antônio já estava sem voz.

    Usando de suas últimas forças, pôde balbuciar as palavras da antífona mariana "O Gloriosa Domina!" No mesmo instante, o demônio fugiu espavorido.  Depois de livrar-se do maligno e recompor-se, Antônio viu que a seu lado estava a Rainha do Céu, resplandecente de glória.

                                                        * * * * * * * *

    Sem dúvida nenhuma, foi por causa de sua devoção e de seu entranhado amor à Santíssima Virgem que um outro fato pôde acontecer. Isso porque aquele que é devoto de Maria é levado por Ela a Jesus:

    Certa vez Frei Antônio, já no fim de sua vida, hospedou-se na casa de uma família amiga, em Camposampiero. Quem narra este episódio é o Conde Tiso, anfitrião do Santo:

    À noite, o Santo já estava nos aposentos a ele destinados, recolhido em oração. O dono da casa percebeu que uma luz forte vinha de dentro do quarto onde estava Antônio. Não poderia ser luz de velas, era forte demais, muito intensa. O Conde, vencido pela curiosidade, levantou-se e foi ver o que pode ser aquilo. Aproximou-se do quarto e, pelas frinchas da porta deparou-se com uma cena miraculosa:

    O Santo estava arrebatado, em contemplação. A Virgem Maria, então, coloca nos braços dele o Menino Jesus. O menino enlaça seus bracinhos ao pescoço do frade e amigavelmente conversa com ele.  Sentindo que estava sendo observado, o Santo procurou o Conde Tiso e o fez jurar que só depois que ele morresse o Conde contaria o que tinha visto naquela noite. Foi esse o fato que deu motivo para que Santo Antônio fosse representado em suas imagens com o Menino Jesus nos braços.

    Salvou o pai da morte

    Em Portugal houve um assassinato. Todas as suspeitas do crime indicavam o pai de Santo Antônio com sendo o criminoso. Mas isso era falso. Ele era, de fato, inocente.

    Veio o dia do julgamento. No tribunal, os juízes estavam a ponto de proferir a sentença que condenaria o acusado. No banco dos réus, o pai de Frei Antônio nada podia fazer. Não tinha defesa. No mesmo momento, na Itália, Santo Antônio estava fazendo um sermão em uma Igreja. De repente, ele interrompeu suas palavras e ficou imóvel, como se estivesse dormindo em pé. Aconteceu que, nesse mesmo instante, Antônio foi visto na sala do júri, em Portugal, conversando com os juizes...

    - Por que tanta precipitação? Posso provar a inocência do meu pai. Senhores juízes, venham comigo até o cemitério.

    Eles aceitaram o convite. Chegando ao cemitério, sem demora, Frei Antônio mandou que abrissem a sepultura onde estava enterrado o homem assassinado. Olhando para o cadáver já meio decomposto, perguntou ao defunto:

    - "Meu irmão, diga agora, diante de todos, se meu pai foi o assassino que lhe matou..."

    Para espanto dos juízes e de todos que ali estavam, o defunto abriu a boca e disse pausadamente, como se estivesse medindo suas palavras:

    - "Não foi Martinho de Bulhões quem me matou". E tornou a calar-se.

    De uma maneira milagrosa e pela intercessão de Santo Antônio, estava provada a inocência do seu pai. A verdade triunfou sobre a mentira e a calúnia. E aqui o milagre foi duplo. Operou-se a bilocação (ato de uma pessoa estar, milagrosamente, em dois locais ao mesmo tempo) e o poder de reanimar os mortos.

    Morreu cedo, fez muito e continua a fazer

    Apesar de ter apenas 34 anos, Antônio estava muito doente. Em 1229 foi morar no convento de Arcella, em Camposampiero. Mas, não parou de exercer sus funções de pregador. Depois de pregar a Quaresma de 1231, sentiu-se muito cansado. Ele precisava de repouso.

    Tentando dar a Frei Antônio descanso merecido e também necessário para sua sobrevivência, os frades fizeram para ele um "quarto" sobre os galhos de uma enorme nogueira, ali mesmo no mosteiro, em Camposampiero. Mesmo assim o povo o procurava. e Antônio, apesar de já muito debilitado, falava de sua cela, lá de cima da nogueira...

    Decidiram então levá-lo para Pádua. Cuidadosamente prepararam um carro puxado por bois, agasalharam bem o enfermo e deram início à longa viagem. No caminho, Antônio foi piorando. Pararam, então, em um povoado onde havia um convento franciscano.

    O Santo estava no fim. Sua saúde deteriorava constantemente e ele sofria muito: precisava ficar sentado constantemente pois só assim conseguia respirar. Mas não deixava de cumprir suas obrigações religiosas. Rezava constantemente até que, vendo o fim acercar-se pediu o santo viático e a unção dos enfermos.

    Tendo recebido os sacramentos finais, despediu-se de todos e cantou para Nossa Senhora to toda a antífona: "Ó Virgem gloriosa que estais acima das estrelas..." Em seguida, ergueu os olhos para o céu. Todos os presentes o ouviram dizer: "Estou vendo o Senhor..." Pouco depois morreu. Era o dia 13 de junho de 1231. Frei Antônio estava com 36 anos de idade.

    Nesse momento, em Pádua, onde ele não tinha conseguido chegar, um bando de crianças saiu espontaneamente pelas ruas gritando: "O santo morreu! O santo morreu!". Ao mesmo tempo, em Lisboa, sua cidade natal, os sinos puseram-se a repicar sozinhos. O povo saiu às ruas para ver o que acontecera. Somente mais tarde foi que souberam por quem os sinos dobravam. Era por Antônio. Ele tinha deixado a terra e se encontrava na glória celeste. Antônio partiu. Mas, com sua fama, permanece entre nós. E não apenas em Lisboa e Pádua. Pois, ele é Santo Antônio... do Mundo Todo! (JSG)

                                                 * * * * * * * *

    E é por isso mesmo que, ainda hoje, podemos ouvir nos idiomas mais variados, seus devotos que, em todo o mundo, o louvam cantando assim:

    "Se milagres desejais, recorrei a Santo Antônio;
    Vereis fugir o demônio e as tentações infernais.
    Recupera-se o perdido, rompe-se a dura prisão;
    E no auge do furacão, cede o mar efurecido.

    Pela Sua intercessão; foge a peste, o erro, a morte;
    O fraco torna-se forte e o enfermo são.
    Todos os males humanos se moderam e se retiram;
    digam-no aqueles que o viram e mormente os Paduanos."

    Fontes:

    Bento XVI- Audiência Geral - 10 de fevereiro de 2010
    www.angelfire.com/ar2/jcarthur/stoantonio.htm
    www.rosamarc.com.br/santonio/vida.htm

    Santa Madalena de Pazzi

    "Pelo abandono total, se faz morrer a si mesma em Deus, não deseja conhecê-lo, nem entendê-lo, nem experimentá-lo. Nada quer, nada sabe e nada deseja poder" - essa é a via do "amor morto"  pregada pela santa
    Ó Amor, que não sois conhecido nem amado, como estais ofendido!"... Estas misteriosas e sublimes palavras ecoavam pelos muros do mosteiro carmelita de São Fridiano, em Florença, naquela tarde de inverno de 1584. Uma noviça de 18 anos as havia pronunciado com lábios trêmulos, o rosto inflamado e banhado em lágrimas.
    Surpresas, as irmãs não sabiam o que pensar: conheciam a piedade da sua jovem companheira, mas nunca a tinham visto nesse estado de exaltação, prestes a desmaiar. Tomaram--na nos braços, julgando-a acometida de súbita doença, e procuraram acalmá-la; mas, durante duas horas, ela parecia nada ver, nem ouvir, dominada tão somente por esta ideia: Deus é Amor, e não é amado! Tratava-se de Santa Maria Madalena de Pazzi.
    "Flor de contradição"
    Deus, Senhor da História, atende sempre às necessidades de cada era suscitando almas santas que - pelo exemplo pessoal, pela sua pregação e escritos, ou ainda pela abertura de uma nova via de perfeição - arrostam os erros de seu tempo, chamando as pessoas extraviadas para a conversão.
    No quinquecento a península italiana se caracterizava por uma visualização antropológica do universo onde o homem - com seus valores e qualidades, mas também com suas deficiências - tomava o lugar principal. Para contrarrestar esse desvio, "toda a espiritualidade italiana do século XVI está impregnada pelo tema do amor total. Caminhos diversos unem-se no anseio comum do amor teocêntrico, que parece brotar como flor de contradição do tronco do humanismo renascentista".1
    Nesse contexto, nascia na cidade de Florença, berço e âmago da Renascença italiana, em um suntuoso palácio situado ao sul do histórico duomo, na esquina da Via del Proconsolo com o Borgo degli Albizi, em 2 de abril de 1566 Catarina de Pazzi, filha única de Camillo di Geri de' Pazzi e de Maria Lourenço Buondelmonti, ambos de ilustres famílias da República.
    Seus pais educaram com esmero a menina de rara beleza, e nela depositavam as esperanças de um futuro brilhante na vida social, na qual poderia sobressair-se graças a seus dotes naturais e ao parentesco do pai com a prestigiosa casa dos Médici.
    Catarina, de fato, estava destinada a reluzir nos céus da História, mas não precisamente segundo as ilusões de seus progenitores.
     "Sinto o perfume de Jesus!"
    Desde a infância, Catarina deu mostras de ser uma alma eleita. Quando pequena, encontrava maior prazer no silêncio, na oração e nas práticas de piedade do que nas brincadeiras próprias à idade, e era para ela a recreação mais agradável ensinar o Credo, o Pai Nosso e a Ave-Maria às crianças camponesas. Dotada de grande força de vontade e de um temperamento ardoroso e veemente oriundo de seu sangue toscano, mostrava-se, no entanto, sempre obediente e afável com seus pais e superiores.
    Antes mesmo de completar a idade requerida naqueles tempos para receber a Eucaristia, nutria ela excepcional devoção ao Santíssimo Sacramento. Certa vez, sua mãe, intrigada com as atitudes da filha, interrogou-a sobre a razão pela qual passava alguns dias inteiros a seu lado, sem separar-se sequer por um instante. Respondeu com candura a pequena: "É que nos dias em que comungais, sinto em vós o perfume de Jesus!".2
    Considerando o fervor e a maturidade da menina, seu confessor consentiu em abrir uma exceção, concedendo-lhe fazer a Primeira Comunhão em 25 de março de 1576, quando contava apenas 10 anos. A consolação e o gozo de Catarina não conheceram limites. E, tendo uma vez degustado o Pão dos Anjos, cresceu ainda mais em sua alma a piedade eucarística, conforme a frase da Escritura: "Os que comem de mim terão ainda fome" (Eclo 24, 29). Deste modo, obteve autorização de comungar todos os domingos, para o que ela contava os dias e até mesmo as horas.
    Adeus ao mundo e obediência à vontade de Deus
    Três semanas após sua Primeira Comunhão, na Quinta-Feira Santa, estando recolhida durante a ação de graças, Catarina sentiu-se movida pelo amor divino a prometer a Deus proceder de forma a agradá-Lo em tudo. Fez, então, o voto de virgindade perpétua, voltando definitivamente as costas ao risonho porvir oferecido pelo mundo, decidida a viver só para Deus e em Deus, para sempre.
    Não pensavam seus progenitores do mesmo modo e, apenas completou os 16 anos, manifestaram o desejo de vê-la contrair matrimônio. Assim, para não pôr em risco a consagração feita a Deus, a jovem optou por declarar abertamente ao pai que preferia ter a cabeça cortada, a renunciar a seu voto e ao estado religioso pelo qual almejava. Estupefato diante de tanta determinação, Camilo de Pazzi cedeu, sem opor mais objeções.
    Sua esposa, entretanto, não se rendeu com a mesma facilidade. Apegada à filha por uma afeição puramente natural, Maria Buondelmonti empregou todos os meios ao seu alcance para desviá-la da vocação religiosa. Julgava, talvez, ser mera fantasia deadolescente que não tardaria a esvanecer-se à vista de um futuro atraente. Mas Catarina longe de abandonar seu propósito, fê-lo crescer em seu coração, acrisolado pela espera e pela prova. Ao cabo de alguns meses, a Senhora de Pazzi teve de se declarar derrotada.
    Oceano de consolações
    Vencida a batalha e obtida a permissão para abraçar a vida religiosa, Catarina escolheu o convento das carmelitas de Santa Maria dos Anjos, no bairro de São Fridiano, pela simples razão de terem essas religiosas a prática da Comunhão diária. Após ter passado nele quinze dias a título experiência, foi aceita de forma definitiva em 1º de dezembro de 1582, recebendo, dois meses depois, o hábito de noviça e o nome de Maria Madalena, por sua especial devoção a essa santa.
    Uma nova dimensão de vida iniciava-se para a jovem religiosa: de um lado, o Senhor ia lhe conceder o tesouro de suas consolações, para torná-la um apóstolo de seu amor entre os homens; de outro - e como consequência desse mesmo amor -, pedir-lhe-ia uma participação nos sofrimentos da sua Paixão, oferecendo-os em reparação pelos males de sua época e pela salvação dos pecadores.
    Os dois primeiros anos passados em São Fridiano foram para ela de uma contínua consolação. Sentia-se arrebatada ao contemplar o amor de Deus pelos homens e compreender, também, o horror e a malícia do pecado, e a ingratidão dos que o cometem. Contudo, passado algum tempo, uma misteriosa doença a acometeu, obrigando-a, durante três meses, a guardar o leito. Nessas condições fez sua profissão religiosa, em 27 de maio de 1584.
    A partir desse dia, os êxtases passaram a ser contínuos, sobretudo de manhã, após receber a Comunhão. "A vista de uma flor, de uma planta, o santo nome de Jesus ou simplesmente a palavra amor pronunciada diante dela era suficiente para arrebatá-la em Deus".3
    "Não sabia se estava viva ou morta, fora do meu corpo ou dentro", relatou mais tarde a jovem carmelita, descrevendo esses místicos arroubos. "Mas via Deus só, glorioso em Si mesmo, amando-Se a Si mesmo, conhecendo-Se intimamente e compreendendo-Se infinitamente; amando as criaturas com um amor puro e infinito; e na união única e indivisível, um só Deus subsistente, de amor infinito, de soberana bondade, incompreensível, imperscrutável".4
    Na Quaresma de 1585, os fenômenos extraordinários chegaram a um auge de intensidade. No dia 25 de março, sentiu gravadas em seu peito as palavras "Et Verbum caro factum est". Na segunda-feira da Semana Santa, recebeu os sagrados estigmas de Cristo, contudo não de forma visível.
    Na Quinta-Feira Santa, Irmã Maria Madalena entrou num êxtase que durou vinte e seis horas. Ao longo de todo o período no qual se comemora a Paixão do Divino Redentor, ela sentiu em si, fisicamente, as mesmas dores, as mesmas angústias, os mesmos tormentos de Jesus. Surpresas e maravilhadas, as demais religiosas puderam contemplá-la percorrendo as diversas dependências do mosteiro, ora acompanhando o Divino Mestre em sua agonia, ora em seu julgamento, ora ainda na dolorosa coroação de espinhos. Por fim, viram-na entrar, com uma cruz aos ombros, na sala do Capítulo onde estendeu-se no chão para ser pregada no madeiro, depois recostou-se na parede e, de braços abertos, repetiu as sete últimas palavras do Crucificado. Alguns dias depois, foi-lhe dado assistir à descida de Cristo aos infernos, à sua Ressurreição e, finalmente, à sua gloriosa Ascensão.
     Seguindo as pegadas do Varão das dores
    A essas graças tão insignes haveria de seguir-se uma era de grandes provações e lutas. Antes, porém, o próprio Jesus Se dignou anunciar- -lhe esse doloroso período, de maneira a dar-lhe oportunidade de pronunciar seu Fiat e uni-la cada vez mais ao Cristo obediente e sofredor. Ela, em sua simplicidade e confiança, limitou-se a responder: "Senhor, basta-me a vossa graça!".5
    De um momento para outro, sentiu-se mergulhada nas trevas do espírito - verdadeira "jaula de leões", segundo sua própria expressão -, das quais se aproveitou o inimigo infernal para atentar contra o castelo de suas virtudes.
    A terrível prova iniciou-se na Solenidade da Santíssima Trindade de 1585. Irmã Maria Madalena perdeu completamente o gosto pela oração e por qualquer exercício de piedade; experimentou tentações contra a pureza, contra a fé, contra a humildade e até contra a temperança no comer; o espírito maligno sugeriu-lhe pensamentos de blasfêmia e de desespero, a ponto de inspirar-lhe a ideia de abandonar o hábito religioso e fugir da comunidade.
    Em outras ocasiões, demônios lhe apareciam corporalmente e lançavam- se sobre ela para espancá-la durante horas. A tantas tribulações, veio juntar-se mais uma amargura: várias de suas irmãs, não compreendendo suas atitudes, criticavam-na, acusando-a de faltas imaginárias.
    Cinco longos anos se passaram em meio a tais lutas, entremeadas de curtas intermitências de consolação. Por fim, no dia de Pentecostes de 1590, entrou ela em êxtase durante o cântico das Matinas e sentiu- -se libertada. O demônio não pudera triunfar sobre essa alma. Apareceram-lhe, então, de uma só vez, os catorze santos de sua especial devoção, congratulando-se com ela pela vitória alcançada.
     A espiritualidade do amor total
    Na trajetória desta santa carmelita, chamam poderosamente a atenção os padecimentos que acabamos de descrever, bem como seus contínuos êxtases, sua virtuosa atuação como mestra de noviças e superiora, e os grandes milagres por ela operados em vida, como a cura de muitos doentes e a multiplicação de alimentos no mosteiro.
    Durante cerca de vinte anos suas irmãs de hábito do Convento de São Fridiano recolheram cuidadosamente as palavras brotadas de seus lábios "com tal abundância, que uma só pessoa não seria suficiente para escrever tudo quanto o Espírito Santo lhe dizia". 6 Tornou-se necessário, então, escalar seis religiosas para tal serviço, de maneira a não perder as preciosas revelações pronunciadas por ela, quando era arrebatada. Tais anotações resultaram em numerosas obras de profundo conteúdo teológico e místico.
    Elevada de tal maneira aos panoramas sobrenaturais, sua alma entrevia os mistérios de Deus e dialogava com as Três Divinas Pessoas, segundo narra um de seus confessores, padre Virgilio Cepari: "Quando falava o nome do Pai eterno, dava à sua voz um timbre grave majestoso, e a seu discurso uma dignidade incomparável. Quando pronunciava o nome do Verbo ou do Espírito Santo, mesclava não sei que doçuras à gravidade e majestade de sua palavra. Enfim, quando falava em seu próprio nome, sua voz era mais baixa e suas palavras mais delicadamente articuladas, e tornava-se patente que, no sentimento de sua própria humildade, ela queria aniquilar-se diante de Deus".7
    A espiritualidade de Santa Maria Madalena de Pazzi centrava-se no que ela chama de "amor morto". Último degrau na escala da perfeição por ela mesma descrita, a alma que o possui "não deseja, não quer, não anseia e não procura coisa alguma. [...] Pelo abandono total, se faz morrer a si mesma em Deus, não deseja conhecê- lo, nem entendê-lo, nem experimentá-lo. Nada quer, nada sabe e nada deseja poder. [...] O pesar não é pesar para ela e não busca a glória, mas vive em tudo como morta".8
    Consumação do amor
    Este amor traduzia-se numa sede insaciável de salvar os pecadores e conquistar almas para o Céu. Do interior de seu convento, Maria Madalena sofria terrivelmente ao receber notícias do progresso das heresias e da grande influência exercida por estas na sociedade. Seu ardor pela conversão dos inimigos da Igreja a levava a desejar permanecer na Terra por longo tempo, a fim de trabalhar e mortificar-se mais e mais nessa intenção: "Sempre sofrer, jamais morrer!", exclamava com frequência.
    Jesus, porém, e sua Mãe Santíssima não tardaram em chamar a Si esta filha predileta, para conceder-lhe, por fim, a posse plena da união de amor, da qual ela já experimentara aqui na Terra um antegozo. Os últimos anos de sua vida transcorreram sem consolações místicas, segundo seu próprio pedido, em meio aos padecimentos inerentes à doença que lhe abreviou os dias: tosse, febres, hemorragias, dores de cabeça. Por fim, em 25 de maio de 1607, aos 41 anos entregou sua bela alma a Deus, após ter recebido o Santo Viático na véspera, e ter feito um solene pedido de perdão de suas faltas a toda a comunidade.
    Sua luminosa trajetória e sua mensagem para a posteridade podem ser resumidas nestas palavras, exaladas de seu amoroso coração: "Sem Ti não posso viver nem estar alegre. [...] Se me desses toda a felicidade que se pode ter na Terra, com todos os seus prazeres; se me desses toda a fortaleza de todos os fortes, a sabedoria de todos os sábios e as graças e virtudes de todas as criaturas, sem Ti eu, o estimaria como um inferno. E se me desses o próprio inferno com todas as suas penas e tormentos, mas contigo, eu o consideraria um paraíso".9 
    Irmã Clara Isabel Morazzani Arráiz, EP - Revista Arautos do Evangelho, Maio/2011, n. 113, p. 32 à 35
     Notas:
    1 YUBERO, Alberto. Introducción. In: SANTA MARIA MAGDALENA DE PAZZI. Éxtasis, amor y renovación. Revelaciones e Inteligencias. Renovación de la Iglesia. Madrid: BAC, 1999, p.XX.
    2 VETTARD, Th. Sainte Marie-Madeleine Pazzi. In: Un Saint pour chaque jour du mois. Paris: Maison de la Bonne Presse, 1932, t.V, p.226.
    3 CEPARI, Virgile. Vie de la Sainte, apud BRANCACCIO, Laurent- Marie. Introduccion. In: SANTA MARIA MAGDALENA DE PAZZI. Oeuvres. Paris: Victor Palmé, 1837, t.I, p.XIII.
    4 SANTA MARIA MAGDALENA DE PAZZI, Vita, c.II, n.22, apud ROHRBACHER. Vidas dos Santos. São Paulo: Américas, 1960, v.IX, p.245.
    5 VETTARD, op. cit., p.230.
    6 CEPARI, op. cit., p.XIV.
    7 Idem, ibidem.
    8 SANTA MARIA MAGDALENA DE PAZZI, Revelaciones e Inteligencias. In: Éxtasis, amor y renovación, op. cit., p.158-159.
    9 ROYO MARÍN, OP, Antonio. Los grandes maestros de la vida espiritual. Madrid: BAC, 2002, p.319.

    São Luís Maria Grignion de Monfort

    São Luís Maria Grignion nasceu em 31 de janeiro de 1673, na cidade bretã de Montfort-La-Cane. Em 1685 ingressou no colégio dos jesuítas, em Rennes, onde cursou humanidades. Sentindo-se chamado ao sacerdócio, partiu para a capital francesa, sendo admitido em 1695 no Seminário de Saint-Sulpice. Cinco anos depois, em junho de 1700, foi ordenado presbítero e deu início ao seu intenso apostolado de missionário, pregando de modo especial o reafervoramento do espírito do cristianismo pela renovação das promessas do Batismo. O Papa Clemente XI concedeu-lhe o título de missionário apostólico, e nessa qualidade percorreu toda a França, reacendendo nas almas as mechas fumegantes da Fé.
    Segundo o Pe. Faber, era ao mesmo tempo perseguido e venerado em toda parte. Suas pregações, seus escritos, sua conversação eram impregnados de profecias e de visões antecipadas das últimas eras da Igreja. Qual novo São Vicente Ferrer, adiantou-se como se estivesse nos dias precursores do juízo final, e proclama-se portador, da parte de Deus, de uma mensagem autêntica: mais honra, conhecimento mais vasto, amor mais ardente a Maria Santíssima, e anuncia a união íntima que Ela terá com o segundo advento de seu Filho.
    Estabelecendo-se em Saint Laurent-sur-Sèvre, fundou duas Congregações religiosas, uma de homens (Missionários da Companhia de Maria) e outra de mulheres (As Filhas da Sabedoria). Escreveu diversas obras que têm exercido notável influência na piedade católica: Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, Carta Circular aos Amigos da Cruz, O segredo admirável do Santo Rosário para se converter e se salvar, O Segredo de Maria, Oração Abrasada (Prece pedindo a Deus missionários para a sua Companhia de Maria), entre outras.
    São Luís Grignion faleceu no dia 28 de abril de 1716, durante a pregação de uma missão em Saint-Laurent-sur-Sévre. Tinha 43 anos de idade e apenas 16 de sacerdócio.
    Em 20 de julho de 1947, o Sumo Pontífice Pio XII finalmente inscreveu no catálogo dos santos esse grande missionário e apóstolo da Virgem Mãe de Deus.
    (Cf. São Luís Maria Grignion de Montfort, Obras completas, Éditions du Seuil, Paris, 1966, pp. VII e ss.; Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, Vozes, Petrópolis, 1961, p. 9)
     Como condição de vitória, sem se desprezar nem de leve as  providências  concretas,  devemos  contar essencialmente  com  os recursos sobrenaturais. A História demonstra que não há inimigos  que vençam um país cristão que possua três devoções: ao Santíssimo Sacramento, a Nossa Senhora e ao Papa. Investigue-se bem a queda de nações aparentemente muito fervorosas em sua adesão à Igreja: alguma broca secreta a minava em uma dessas três virtudes-chave.
    A  vitória,  pois,  depende  de  nós.  Tenhamos  em  dia  nossa  consciência, estejamos tranquilos em Deus, e venceremos.
    O livro dos tempos novos
    Há  dois séculos que está pronta a bomba atômica do Catolicismo. Quando  ela explodir de fato, compreender-se-á toda a plenitude de sentido da  palavra da Escritura: Non est qui se abscondat a calore ejus. Esta  bomba se  chama  com  um  nome muito doce. É que as bombas da Igreja são bombas de Mãe. Chama-se O Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. Livrinho de pouco mais de cem páginas. Nele, cada palavra, cada letra é um tesouro. Este o livro dos tempos novos  que hão de vir. (...)
    Por meio de Maria, unir-se a Deus
    São Luís Grignion  de  Montfort  expõe em sua obra, no que consiste  a perfeita devoção dos fiéis a Nossa Senhora, a escravidão de amor dos  verdadeiros  católicos  à  Rainha  do  Céu. Ele nos mostra o papel fundamental da Mãe de Deus no Corpo Místico de Cristo, e na vida espiritual de cada cristão. Ele nos ensina  a viver nossa vida espiritual em consonância com essas verdades. E nos  inicia em um processo tão sublime,  tão doce, tão absolutamente maravilhoso e perfeito, de nos unirmos  a Maria Santíssima, que nada há na literatura cristã de todos os séculos  que o exceda neste ponto.
    Esta  devoção,  diz  Grignion  de  Montfort, unindo o mundo a Nossa Senhora, uni-lo-á a Deus. No dia em que os  homens  conhecerem,  apreciarem,  viverem essa devoção, nesse dia Nossa  Senhora reinará em todos os corações,  e a face da Terra será renovada.
    De que forma? Grignion de Montfort esclarece que seu livro suscitaria  mil oposições, seria caluniado, escondido, negado; que sua doutrina seria  difamada, ocultada, perseguida; que  ela daria automaticamente uma antipatia profunda nos que não têm o espírito da Igreja. Mas que um dia viria  em que os homens por fim compreenderiam sua obra. Nesse dia, escolhido por Deus, a restauração do Reino de Cristo estaria assegurada.

    Revista Dr Plinio 109


    Anunciação do Senhor

    Monsenhor João Clá Dias, EP
    Se nos fosse dado contemplar a imensidade dos possíveis de Deus, ou seja, o incontável número de seres que Ele poderia ter criado sua onipotência, veríamos criaturas semelhantes às deste mundo, mas sem os seus característicos defeitos. Por exemplo, ouriços constituídos sem meios de causar mal aos homens; pernilongos lindíssimos dotados de uma picada agradável e benfazeja; urubus de figura tão elegante quanto os seus voos, e assim por diante.
    Por que não pôs Deus no universo criaturas assim, sem qualquer defeito, as quais poderiam ter sido criadas e não o foram?
    Pergunta esta de difícil resposta. O certo, porém, é que no universo no qual vivemos três criaturas são insuperáveis: a humanidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, unida hipostaticamente à divindade; a visão beatífica e Nossa Senhora.1 Todos os outros seres, considerados individualmente, poderiam ser mais perfeitos.
    Ora, este mundo composto por criaturas com deficiências é, entretanto, ótimo no seu conjunto, como ensina São Tomás de Aquino: "O universo não pode ser melhor do que é, se o supomos como constituído pelas coisas atuais, em razão da ordem muito apropriada atribuída às coisas por Deus e em que consiste o bem do universo. Se apenas uma dessas coisas se tornasse melhor, a proporção da ordem estaria destruída, como a melodia de uma cítara ficaria destruída se uma corda se tornasse mais tensa do que deve".2
    O universo criado por Deus tinha de ser o que mais O glorificasse, porque Ele não poderia ter escolhido criá-lo de forma nem um pouco inferior ao mais adequado. E tudo quanto nele existe de defectivo serve para o homem ter presente a sua debilidade, fraqueza e dependência contínua de Deus. Lembra-lhe, enfim, sua contingência. É deste mundo, com deficiências, que nós fazemos parte.
    As considerações acima nos preparam para analisar o papel de Nossa Senhora na Criação, que é especialmente recordado na liturgia escolhida pela Igreja para a Solenidade da Anunciação do Senhor.
     O "fiat" de Maria Santíssima
    Sobre a conhecidíssima e tão comentada passagem evangélica da Anunciação, pareceria não haver nada de novo a dizer. Entretanto, como um vinho excelente apresenta aspectos diferentes em cada safra, assim também acontece com o magno acontecimento da Encarnação do Verbo, no qual sempre descobriremos novas e magníficas maravilhas.
     As aparências não estão à altura do acontecimento
     "Naquele tempo, 26 o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, 27 a uma Virgem, prometida em casamento a um homem chamado José. Ele era descendente de Davi e o nome da Virgem era Maria".
     Antes de entrar na análise da narração de São Lucas, é mister voltarmos nossa atenção para o local onde Se encontrava Maria Santíssima ao ser visitada pelo Arcanjo São Gabriel. Não se tratava de um magnífico palácio, como tantos artistas imaginaram, mas de uma casa muito modesta, com paredes de tijolos aparentes. Estava situada em Nazaré, uma cidade então insignificante, na qual a Sagrada Família viverá na pobreza, humildade e apagamento.
     Não há neste episódio outros elementos cujas aparências estejam à altura do acontecimento que ali se daria, a não ser a presença da Virgem Maria, e também a de São José. Pois o elevadíssimo grau de santidade de ambos certamente transluzia em seus gestos, fisionomias e em todo o seu modo de ser.
     No momento da Anunciação, Nossa Senhora rezava
    28a "O anjo entrou onde Ela estava...".
     O que fazia Maria Santíssima quando o anjo chegou junto a Ela? Sem dúvida, rezava, talvez considerando a desastrosa situação na qual se encontrava a humanidade. O povo judeu havia se desviado da prática da verdadeira religião e os pagãos, a começar pelos romanos, viviam numa tremenda decadência moral. Chegara-se ao que São Paulo chama "plenitude dos tempos" (Ef 1, 10).
     É assim, com Maria Santíssima orando ao Pai recolhida no seu aposento, que São Bernardo descreve a cena da Anunciação, pondo em realce a importância da oração para Deus manifestar-Se. Pois uma coisa é evidente: as preces d'Ela comoveram os Céus: "A saudação do anjo, feita com tanta reverência, indica quanto as orações de Maria haviam agradado ao Altíssimo"3 - afirma o Doutor Melífluo.
    Numa de suas meditações sobre a vida de Cristo, São Boaventura nos apresenta a jovem Maria levantando-Se à meia noite no Templo para fazer sete súplicas diante do Altar e rezando desta forma: "Eu Lhe pedia a graça de presenciar o tempo no qual haveria de nascer aquela Virgem Santíssima que daria à luz o Filho de Deus, de conservar-me os olhos para poder vê-La, a língua para louvá-La, as mãos para servi-La, os pés para ir aonde Ela mandar e os joelhos para adorar o Filho de Deus em seu regaço".4
    Sua humildade A impedia de concluir quem haveria de ser essa Dama à qual desejava ardentemente servir, mas, possuindo ciência infusa e recebendo graças sobre graças, foi tecendo considerações até conceber em seu espírito, com total nitidez, a figura moral do Messias prometido. Maria "concebeu Cristo em sua mente antes de concebê-Lo em seu ventre", afirma Santo Agostinho.5
    Ao ver iluminar-se o aposento por uma luz sobrenatural e aparecer diante d'Ela o Arcanjo São Gabriel, Maria não deu o menor sinal de espanto. Segundo vários autores, entre eles São Pedro Crisólogo e São Boaventura, Ela estava "habituada às aparições angélicas, as quais não podiam deixar de ser frequentes para Aquela que Deus havia cumulado de tantas graças, que reservava para tão altos destinos, e que os anjos reverenciavam como sua Rainha e a própria Mãe de Deus".6 Podemos, inclusive, conjecturar que o próprio São Gabriel não Lhe fosse desconhecido.
    A graça crescia n'Ela a cada instante
    28b"... e disse: ‘Alegra-Te, cheia de graça, o Senhor está contigo!'".
    A expressão usada pelo Anjo para saudá-La tem um sentido muito profundo no qual vale a pena nos determos.
    Nosso Senhor Jesus Cristo, Salvador da humanidade, é a única criatura que possui a plenitude absoluta de graça. Ele a teve desde o início, sem qualquer possibilidade de aumento. E quando o Evangelho afirma que Jesus "ia crescendo em sabedoria, tamanho e graça diante de Deus e dos homens" (Lc 2, 52), refere-se às manifestações exteriores de sua santidade. "Mas interiormente o tesouro de dons celestes,que O tornavam agradável a Deus, era tão perfeito que não podia crescer de maneira alguma".7
    Não acontecia o mesmo com Nossa Senhora. Ao longo de toda a sua vida, foi incessante seu progresso espiritual, ora devido aos méritos sobrenaturais obtidos pela prática de incontáveis boas obras, ora como fruto da sua oração humilde, confiante e perseverante, ora, no fim da sua existência, por efeito do Sacramento da Eucaristia. E isto sem falar dos incrementos de graça, de incalculáveis proporções, experimentados por sua alma no momento da Encarnação do Verbo, aos pés da Cruz e por ocasião de Pentecostes.8
    Não houve, portanto, um instante no qual Ela não tivesse mais graça do que no anterior, como bem exprime Campana: "Em todos os momentos de sua vida, Maria foi penetrada por inteiro pelos raios divinos da graça; em cada minuto de sua existência, sua vontade mostrou-se dócil em render a Deus homenagem e glória; todas as pulsações de seu Coração foram sempre para Deus. [...] Essa ascensão de Maria rumo ao ideal de santidade era contínua, uniforme, sem solavancos, sem interrupção".9
    Assim, quando o anjo A proclama "cheia de graça", indica estar sua alma participando da vida divina no maior grau possível naquele instante; mas um minuto depois essa plenitude já seria maior. E conclui o mesmo Campana: "Maria progredia em graça porque n'Ela se desdobravam sem cessar novas capacidades de graça, as quais eram logo preenchidas. Precisamente nisto consiste a diferença característica entre a plenitude de santidade de Maria e a de Jesus Cristo".10
     Plenitude de superabundância
    Com base no Doutor Angélico, Garrigou-Lagrange distingue três plenitudes de graça: absoluta, exclusiva de Cristo; de superabundância, privilégio especial de Maria; e de suficiência, comum a todos os santos.11 E explica o insigne teólogo dominicano: "Essas três plenitudes subordinadas foram justamente comparadas à de uma fonte inesgotável, à do rio que dela procede e à dos canais alimentados por esse rio para irrigar e fertilizar as regiões por ele atravessadas, ou seja, as diversas partes da Igreja universal no espaço e no tempo".12
    Assim, desde o momento de sua criação, Maria Santíssima participou da vida divina mais do que todos os Anjos e todos os bem-aventurados juntos. A tal ponto, que se Ela lhes distribuísse todas as graças das quais cada um deles tivesse necessidade, nada Lhe faltaria, pois, "sob a forma de méritos, de orações e de sacrifícios, esse rio de graça remonta a Deus, oceano da paz".13 A plenitude da graça de Maria, afirma São Lourenço de Bríndisi, "só é compreensível para Deus, pois só Ele abarca o abismo imenso e o quase infinito pélago dessa graça".14
    Causa da perturbação de Maria
    29 "Maria ficou perturbada com essas palavras e começou a pensar qual seria o significado da saudação".
    A reação de Nossa Senhora mostra a profundidade do seu espírito. Dotada de ciência infusa, Ela entendeu perfeitamente o alcance da altíssima afirmação do anjo, considerando não apenas o significado imediato daquelas palavras, mas também suas consequências e correlações com o panorama da História.
    Contudo, sendo cheia de graça, um dos seus predicados era a humildade mais excelsa. Em nada preocupada consigo mesma, todas as suas cogitações voltavam-se para Deus e a salvação da humanidade: Quando virá o Messias? Quando se dará a redenção?
    A presença de São Gabriel não Lhe causou qualquer perturbação. Sua saudação, porém, deixou-A com um ponto de interrogação, pois não podia imaginar que aquelas palavras pudessem ser aplicadas a Ela. Conforme esclarece São Tomás: "A Bem-aventurada Virgem tinha uma fé expressa na Encarnação futura: mas, por ser humilde, não tinha tão alta ideia de Si mesma. E por isso era preciso que fosse informada a respeito da Encarnação".15
    Medo de macular uma humildade ilibada
    30 "O anjo, então, disse-Lhe: ‘Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus'".
    Embora sem mancha de pecado original, Nossa Senhora foi criada em estado de prova e percebia com toda clareza a necessidade da vigilância. Temia aplicar a Si as palavras do Anjo e, cedendo em algo ao orgulho, acabar por ofender a Deus.
    "Não tenhas medo, Maria" significava: "Não vos preocupeis, porque vossa humildade em nada será atingida". Com essas palavras, São Gabriel A exorta a ter confiança de que jamais sairá do reto caminho. Não em razão dos seus méritos. Ele não diz: "Não tenhas medo porque és forte", mas sim "porque encontraste graça diante de Deus".
    E por que encontrou Ela graça diante de Deus?
    A resposta, no-la dá São Bernardo: "Se Maria não fosse humilde, não desceria sobre Ela o Espírito Santo; e, se Este não descesse, Ela não conceberia pelo poder d'Ele. Pois como poderia conceber d'Ele sem Ele? É claro, portanto, que, para Ela conceber d'Ele, ‘o Senhor olhou para a humildade de sua serva' (Lc 1, 48) muito mais do que para a sua virgindade; e, embora tenha por sua virgindade agradado a Deus, foi pela humildade que concebeu".16
    E nós também procedemos assim? Tomamos cuidado com a vaidade, como o fez Nossa Senhora nessa circunstância? Somos cientes de que um pensamento de orgulho consentido pode ser o ponto de partida para uma séria decadência na vida espiritual? Ou aceitamos com delícias qualquer elogio, real ou imaginário, que nos seja feito? O ato de virtude que Lúcifer e os anjos maus não praticaram no Céu, nem Adão e Eva no Paraíso Terrestre, Maria Santíssima o fez da forma mais perfeita possível. Que exemplo sublime Ela nos dá, a nós tantas vezes preocupados em obter honrarias devidas ou indevidas!
    "Será chamado Filho do Altíssimo"
    31"Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. 32 Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai Davi. 33 Ele reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó, e o seu reino não terá fim".
    Nestes três versículos, o Anjo indica as extraordinárias características d'Aquele que Nossa Senhora haveria de conceber. Elas estavam em perfeita harmonia com a Sagrada Escritura, a qual Maria Santíssima conhecia como ninguém, e com a rica imagem do Messias formada por Ela em seu espírito, ao longo dos anos.
    Imaginemos qual seria a reação de uma jovem recém-casada daquele tempo, ao receber de um anjo a notícia de que o seu filho haveria de ser grande tanto na ordem sobrenatural: "será chamado Filho do Altíssimo", quanto na natural: "o Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai Davi". Impossível excogitar algo mais elevado!
    Maria, entretanto, reage diante da comunicação do Anjo dando novas mostras de humildade heroica. São Gabriel lhe anuncia que será a Mãe do mais importante dos filhos de Israel: do próprio Messias! E Ela o ouve tranquila e serena, porque as suas preocupações estavam bem longe da glória pessoal.
    Perplexidade diante do anúncio
    34"Maria perguntou ao anjo: ‘Como acontecerá isso, se Eu não conheço homem algum?'".
    Aqui resplandece a Fé de todo incomum de Nossa Senhora, ante o anúncio feito pelo Anjo. Ao ouvi-lo dizer "conceberás e darás à luz um filho", reconhece tratar-se de fato de uma mensagem divina, e não põe obstáculo algum à sua realização. Porém, entre as graças dasquais Ela estava plena, reluzia um insuperável amor à virtude da castidade. Desposada com São José, combinou com ele manterem-se virgens por toda a vida.17 E é nesse sentido que se deve entender a expressão "não conheço homem algum". Podemos supor ter havido longas conversas entre Ela e São José a esse respeito, chegando à conclusão de ser claramente inspirado por Deus o voto de castidade feito por ambos. Mesmo com essa convicção bem arraigada na alma, Ela não duvidara das palavras de São Gabriel. Apenas apresenta-lhe sua perplexidade, visando conhecer mais a fundo como haveria de concretizar-se o desígnio divino.
    Origem inteiramente sobrenatural do Verbo Encarnado
    35 "O anjo respondeu: ‘O Espírito virá sobre Ti, e o poder do Altíssimo Te cobrirá com sua sombra. Por isso, o menino que vai nascer será chamado Santo, Filho de Deus. 36 Também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na velhice. Este já é o sexto mês daquela que era considerada estéril, 37 porque para Deus nada é impossível'".
    Quem senão Deus, seu Criador, conhecia o amor extraordinário da Virgem Santíssima à virtude da pureza? Por isso Ele, que é a Delicadeza em essência, teve o cuidado de mandar o celeste mensageiro resolver com extraordinária elevação e reverência sua santa perplexidade.
    Conhecendo por instrução divina o problema que a maternidade divina levantava n'Ela, o anjo Lhe mostra que, assim como havia concedido à sua prima Isabel conceber um filho na velhice, a Onipotência divina poderia fazê-La conceber sem concurso de varão. E Ela, resplandecente de sabedoria e inteligência, entende em toda a sua profundidade as explicações do Anjo e logo as aceita.
    A origem inteiramente sobrenatural do Verbo Encarnado foi revelada naquele momento. Que considerações não deve ter feito Maria ao conhecer o alcance desse acontecimento! Maria gerou no tempo a mesma Pessoa gerada pelo Pai na eternidade
    38 "Maria, então, disse: ‘Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em Mim segundo a tua palavra!'. E o anjo retirou-se".
    A escravidão é o estado mais deplorável para uma criatura humana. Pelo Direito Romano, quem caía nessa situação era considerado coisa, res, perdendo todos os direitos próprios à pessoa humana. E quando a Virgem Maria disse: "Eis aqui a serva do Senhor", o fez com total consciência, colocando-Se por inteiro nas mãos de Deus, com absoluta confiança na sua liberalidade.
    A partir desse ato de radical aceitação, todo ele feito de humildade e de fé, operou-se logo em seguida a concepção do Verbo Encarnado no seu seio virginal. Consideremos agora um aspecto particularmente comovedor desse fiat.
    O Verbo de Deus foi gerado pelo Pai desde toda a eternidade. Conhecendo-Se a Si mesmo, Ele gerou um Filho eterno sem concurso de mãe alguma, de uma forma misteriosa que nossa inteligência não consegue compreender. Ora, logo após o consentimento da Virgem - "Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em Mim segundo a tua palavra" -, o Espírito Santo iniciou n'Ela o processo de gestação do Verbo Encarnado. Ela tornou-Se Mãe sem concurso de pai natural.
    Há, pois, entre o Padre Eterno e Maria Santíssima um paralelo de impressionante grandeza: ao considerar suas próprias magnificências, Este gera o Filho na eternidade; e Maria, pondo nas mãos de Deus sua própria contingência, gera o Filho de Deus no tempo!
    Por ser a mais humilde de todas as criaturas, Nossa Senhora reproduz de algum modo a geração do Verbo na eternidade, ao dar origem na Terra à natureza humana de Nosso Senhor. O Pai criou todas as coisas no Verbo e pelo Verbo; pela Encarnação, Maria vai permitir ao Filho oferecer-Se em sacrifício ao Pai, para a recuperação de todas as coisas degradadas pelo pecado.18
    O grandioso plano da Encarnação e da Redenção do gênero humano esteve na dependência desse fiat de Maria, porque se, por uma hipótese absurda, Ela não tivesse aceitado, não teria havido a Redenção.
    A festa da harmonia no Universo
    Como vimos no início deste artigo, Deus escolheu, entre infinitas possibilidades, criar o melhor dos universos, no qual tudo se ajusta em função de Nosso Senhor Jesus Cristo. Porque se Ele tivesse criado todos os seres no seu grau máximo de perfeição surgiria, paradoxalmente, uma tremenda deficiência, maior do que qualquer outra que possamos conceber: a do Verbo Encarnado não poder oferecer nada de Si para tornar mais elevada a Criação.
    Devemos, portanto, nos alegrar com as nossas limitações e, em certo sentido, até com nossos pecados, pois eles permitem a Nosso Senhor exercer a misericórdia, derramando sobre nós, por meio de Maria Santíssima, aquilo que n'Ele existe em plenitude absoluta.
    Porém, a fecundidade do Preciosíssimo Sangue de Jesus é tal que, ao reparar e perdoar, Ele não só nos restaura aquilo que perdemos, mas nos traz um complemento, dando-nos ainda mais do que anteriormente possuíamos. Dessa maneira, podemos alcançar, pela graça divina, aquilo que os seres mais perfeitos, se fossem criados, teriam por natureza.

    Ora, foi a Virgem Maria, com sua disponibilidade e obediência, quem introduziu no cerne da Obra divina a Criatura cume e modelo arquetípico de tudo quanto existe, da Qual tudo deflui. Por isso, a Solenidade da Anunciação do Senhor celebra a restauração da harmonia no universo. É a comemoração do dia em que a Criação passou a transluzir com um brilho todo divino, pelos méritos de Maria Santíssima. 
    1“A humanidade de Cristo, pelo fato de estar unida a Deus; a bem-aventurança criada, por ser o deleitar-se em Deus; e a Bem-aventurada Virgem, por ser a Mãe de Deus, têm até certo ponto infinita dignidade, provinda do bem infinito que é Deus. Sob este aspecto, nada pode ser feito melhor do que eles, como nada pode ser melhor do que Deus” (SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, I, q.25, a.6, ad.4).
    2Idem, I, q.25, a.6, ad.3.
    3SÃO BERNARDO. Obras Completas. Homilías sobre la Virgen Madre 3,1. Madrid: BAC, 1953, t.I, p.207.
    4SÃO BOAVENTURA. Meditaciones de la vida de Cristo. Buenos Aires: Santa Catalina, 1945, p.7.
    5SANTO AGOSTINHO. Sermo 215, 4. ML 38, 1074.
    6JOURDAIN, Zéphyr-Clément. Somme des grandeurs de Marie. 2.ed. Paris: Hyppolite Walzer, 1900, t.II, p.268.
    7CAMPANA, Emile. Marie dans le Dogme Catholique – Les Prérogatives de Marie. Montréjeau: SoubironCardeilhac, s.d., t.II, p.281-282
    8 Cf. ROYO MARÍN, OP, Antonio. La Virgen María. Madrid: BAC, 1968, p.252-268.
    CAMPANA, op. cit., p.278.
    10 Idem, p.281
    11 Cf. GARRIGOU-LAGRANGE, OP, Réginald. La Mère du Sauveur et notre vie intérieure. Paris: Les Éditions du Cerf, 1954, p.34-36.
    12 Idem, p.35.
    13Idem, ibidem.
    14 SÃO LOURENÇO DE BRINDISI. Marial – María de Nazaret, “Virgen de la Plenitud”. Madrid: BAC, 2004, p.206.
    15 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Op. cit., III, q.30, a.1, ad 2.
    16 SÃO BERNARDO. Op. cit., Homilías sobre la Virgen Madre 1,5, p.189.
    17 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Op. cit., III, q.28, a.4.
    18 Observa a este propósito Alastruey: “A Anunciação demonstra a participação na Encarnação e, portanto, na restauração do mundo decaído, obtida pela Santíssima Virgem, de cujo consentimento dignou-Se depender o próprio Deus para encarnar-Se em seu seio” (ALASTRUEY, Gregorio. Tratado de La Virgen Santísima. Madrid: BAC, 1945, p.71).

    TRONO DO PAPA E SÍMBOLO DA INFALIBILIDADE
    Sentado em uma simples cadeira de carvalho, São Pedro presidia as reuniões da primitiva Igreja. Ao longo dos séculos, essa preciosa relíquia foi crescendo em valor e significado.
    Nenhum transeunte parecia dar qualquer atenção àquele judeu de aspecto grave que subia com passo firme uma rua do Monte Aventino, em Roma, no ano 54 da Era Cristã. Entretanto, poucos séculos depois, de todas as partes do mundo acorreriam a essa cidade imperadores, reis, príncipes, potentados e, sobretudo, multidões incontáveis de fiéis para oscular os pés de uma imagem de bronze desse varão até então desconhecido e quase desprezado pela Roma pagã. Pois fora a ele que o próprio Deus dissera: “Tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16,19).
    Sim, era o Apóstolo Pedro que retornava à Capital do Império para ali estabelecer o governo  supremo da Santa Igreja.
     “Saudai Prisca e Áquila”
    Provavelmente o acompanhavam alguns cristãos, entre os quais Áquila e sua esposa Prisca, batizados por ele poucos anos antes. Na Epístola aos Romanos, São Paulo faz a este casal a seguinte referência altamente elogiosa: “Saudai Prisca e Áquila, meus cooperadores em Cristo Jesus; pela minha vida eles expuseram as suas cabeças. E isso lhes agradeço, não só eu, mas também todas as igrejas dos gentios. Saudai sua casa” (Rom 16,3-5). Irrigada pelo sangue dos primeiros mártires, a evangelização deitava fundas raízes nas almas e se difundia rapidamente por todo o orbe. Mas não existiam ainda edifícios sagrados para a celebração do culto divino, de modo que esta se fazia em residências particulares.
    Assim, Áquila e Prisca tiveram o privilégio incomparável de acolher em seu lar a comunidade cristã. Ali São Pedro pregava, instruía, celebrava a Eucaristia. Dessa modesta casa governava ele a Igreja, por toda parte florescente, apesar dos obstáculos levantados pelos inimigos da Luz.
     Era uma cadeira simples, de carvalho
    Tomada de enlevo e veneração pelo Príncipe dos Apóstolos, Prisca reservou para uso exclusivo dele a melhor cadeira da casa. Nela sentava-se o Santo para presidir as reuniões da comunidade.
    Após a morte do Apóstolo, essa cadeira tornou-se objeto de especial veneração dos cristãos, como preciosa evocação do seu ensinamento. Passaram logo a denominá-la de “cátedra”, termo grego que designa a cadeira alta dos professores, símbolo do magistério.
    Era primitivamente uma peça bem simples, de carvalho. No correr do tempo, algumas partes deterioradas foram restauradas ou reforçadas com madeira de acácia. Por fim, foi ornada com alto-relevos de marfim, representando diferentes temas profanos.
     Um altar-relicário
    Há testemunhos e documentos suficientes para acompanhar sua história desde fins do século II até nossos dias. Tertuliano e São Cipriano atestam que em seu tempo (fim do séc. II e início do séc. III) essa cátedra era conservada em Roma como símbolo da Primazia dos Bispos da urbe imperial.
    Por volta do século IV, colocada no batistério da Basílica de São Pedro, era exposta à veneração dos fiéis nos dias 18 de janeiro e 22 de fevereiro.
    Durante toda a Idade Média ela foi conservada na Basílica do Vaticano, sendo usada para a entronização do Soberano Pontífice. Em 1657 o Papa Alexandre VII encomendou ao escultor e arquiteto Bernini um monumento para exaltar tão preciosa relíquia. Empenhando todo o seu gênio, construiu ele o magnífico Altar da Cátedra de São Pedro, considerado por muitos sua obra-prima.
    Nesse altar cheio de simbolismo, o mármore da Aquitânia e o jaspe da Sicília, sobre os quais se apóia o monumento, representam a solidez e a nobreza dos fundamentos da Igreja. As quatro gigantescas estátuas que sustentam a cátedra — representando Santo Ambrósio, Santo Agostinho, Santo Atanásio e São João Crisóstomo, Padres da Igreja Latina e da Grega — recordam a universalidade da Igreja e a coerência entre o ensinamento dos teólogos e a doutrina dos Apóstolos. No centro do altar foi colocada em 1666 a cátedra de bronze dourado dentro da qual se encerra, como num relicário, a bimilenar cadeira de São Pedro.
     Símbolo da Infalibilidade papal
    Nos documentos eclesiásticos, a expressão Cátedra de Pedro tem o mesmo significado de Trono de São Pedro, Sólio Pontifício, Sede Apostólica. Num sentido figurativo, equiparasse ela a Papado e até mesmo a Igreja Católica.
    Afirmaram os Padres do IV Concílio de Constantinopla (ano 859): “A Religião católica sempre se conservou inviolável na Sé Apostólica (...) Nós esperamos conseguir manter-nos unidos a esta Sé Apostólica sobre a qual repousa a verdadeira e perfeita solidez da Religião cristã”.
    Nessa mesma época o Papa São Nicolau I pôde com inteira razão sustentar que “nos concílios não se reconheceu como válido e com força de lei senão aquilo que foi ratificado pela Sede de São Pedro, não tendo sido tomado em consideração aquilo que ela recusou”. Em uma de suas cartas, São Bernardo usa a expressão “Santa Sé Apostólica” para se referir à pessoa do Papa e afirma que a infalibilidade é privilégio “da Sé Apostólica”. Após a solene definição do dogma da infalibilidade papal no Concílio Vaticano I, todos os católicos, eclesiásticos ou leigos, são unânimes em proclamar que o Papa é e sempre será isento de erro em matéria de fé e de moral, de acordo com as palavras de Jesus ao Príncipe dos Apóstolos: “Eu roguei por ti afim de que não desfaleças; e tu, por tua vez, confirma teus irmãos” (Lc 22,32). A Cátedra de Pedro é, o mais eloquente símbolo dessa Infalibilidade, do Papado, da pessoa do Papa e da própria Santa Igreja de Cristo. Mais ainda, pois na Exortação Apostólica Pastores Gregis, Sua Santidade João Paulo II afirma que nela se encontra “o princípio perpétuo e visível, bem como o fundamento da unidade da fé e da comunhão”.
    Por este motivo, para ela se volta nossa entusiástica admiração de modo especial no dia de sua Festa litúrgica, 22 de fevereiro.
     Revista Arautos do Evangelho fev.2005

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