Uma simples
camponesa, com apenas 17 anos de idade, assume o comando de exércitos e salva
sua pátria de um desaparecimento inglório.
Certas lendas
parecem-se tanto com a realidade a ponto de levantar a pergunta: "Será, de
fato, simples lenda?" Em sentido contrário, certas narrações históricas
revestem-se de tantos aspectos surpreendentes que suscitam uma desconfiança:
"Mas isto é mesmo real?"
Um dos mais
expressivos exemplos do segundo caso é a vida de Santa Joana d'Arc, uma das
maiores epopéias da História desconcertantes os traços de sua curta existência.
Seriam mesmo inexplicáveis abstraindo-se a graça de Deus, que transformou essa
delicada virgem camponesa em guerreira intrépida e fez de seu nome uma saga, um
mito, um poema.
Desde muito pequena,
preparada para sua grande missão
Quando Joana nasceu,
em 1412, a França sangrava dolorosamente havia já 75 anos, nos duros embates da
Guerra dos Cem Anos, contra a Inglaterra. O nome de seu vilarejo natal, situado
no Ducado de Lorena, soa como um toque de sininho de aldeia: Domrémy.
Filha de camponeses
honrados e laboriosos, ali passou ela sua infância, aprendendo o mesmo que as
outras meninas de sua idade. "Ela se ocupava, como as demais mocinhas,
fazendo os trabalhos de casa e fiando, e, algumas vezes, como eu mesma vi,
cuidava dos rebanhos de seu pai" - conta Hauviette, sua amiga.
Entretanto, a nota
dominante de sua infância foi sua exemplar piedade. Desde muito pequena, Deus a
atraía para a contemplação de panoramas elevados. Destinada a grandes feitos,
sua fé deveria ser robusta. Gostava imensamente de freqüentar a igreja, e com
sumo interesse dava os primeiros passos no aprendizado da doutrina cristã.
Jamais poderia ela
imaginar a grande missão para a qual sua alma estava sendo preparada. Ouçamo-la
narrar, com encantadora simplicidade, um acontecimento que a marcou
profundamente: "Quando eu tinha mais ou menos 13 anos, ouvi a voz de Deus
que veio ajudar-me a me governar. Eu ouvi a voz do lado direito, quando ia para
a Igreja. Depois que ouvi esta voz três vezes, percebi que era a voz de um
anjo. Ela me ensinou a me conduzir bem e a freqüentar a igreja".
Tempos depois,
sabendo já que aquela "voz" era de São Miguel Arcanjo, conta:
"Ela [a voz] me disse ser necessário que eu, Joana, fosse em socorro do
Rei da França".
Aos 17 anos, parte
para a vida de batalhas
Precisamente nesta
trágica circunstância, surge a figura argêntea de Santa Joana d'Arc, a
camponesa iletrada, mas instruída nas vias da virtude por três enviados de
Deus: o Arcanjo São Miguel, Santa Catarina de Sena e Santa Margarida de
Antioquia.
Quando ela completou
17 anos, as "vozes do Céu" lhe indicaram que o momento de agir havia
chegado. Saindo da casa paterna, Joana conseguiu convencer o Capitão Roberto de
Baudricourt a conduzi-la à presença do "Delfim" (assim era chamado o
monarca francês Carlos VII, ainda não coroado Rei), o qual se encontrava em
Chinon.
Com a convicção e
confiança recebida das vozes celestes, afirmava ela ser a vontade do rei do Céu
que Carlos fosse coroado, e que ela era chamada a comandar em nome de Deus os
exércitos franceses para expulsar da França as tropas inglesas.
Após vencer muitas
dificuldades, a pastora de Domrémy chegou à corte no dia 6 de março de 1429.
Nesta ocasião ela se encontraria, por fim, com o monarca que ela própria
levaria ao trono. Para testar a autenticidade da missão da qual ela assegurava
estar incumbida, e também para divertir-se frivolamente às custas da
"ingênua" camponesa, Carlos decidiu disfarçar-se no meio de seus
cortesãos, enquanto outro ficaria sentado no trono, vestido com os trajes
reais.
Entrou a Santa e foi
apresentada ao falso Delfim. Sem dar-lhe maior atenção, ela imediatamente
passou a observar todas as fisionomias do recinto, até ver Carlos escondido em
um canto. Fixou nele seu puro e penetrante olhar, e fez-lhe uma profunda
reverência, dizendo: "Muito nobre senhor Delfim, aqui estou. Fui enviada
por Deus para trazer socorro a vós e vosso reino". O assombro geral logo
deu origem a estrondosas aclamações.
Em longa conversa,
Santa Joana d'Arc expôs a Carlos VII a missão a ela confiada pela Providência e
solicitou que lhe fosse posto à disposição um exército para acorrer logo em
defesa de Orléans. Convencido, afinal, pelo que vira e ouvira, Carlos não
hesitou em fazer o que a enviada de Deus lhe indicava.
Coroação do Rei: dia
de glória e alegria
Desta forma o mundo
de então presenciou um fato absolutamente inédito: Joana, a
"donzela", marcha à frente dos exércitos franceses, conduzindo-os
para uma batalha decisiva.
A presença dessa
virgem resplendente de inocência e de certeza na vitória impunha respeito no
acampamento e dava novo alento aos oficiais e soldados. Proibiu terminantemente
as bebidas alcoólicas e os jogos. Sobretudo, fez questão de que os soldados
pudessem confessar-se e receber a santa Comunhão.
Seus conselhos de
guerra jamais falharam, causando admiração aos mais experimentados generais. A
tomada de Orléans foi um esplêndido triunfo! Em meio à batalha, lá estava ela
segurando seu branco estandarte bordado com a imagem de Nosso Senhor e as
palavras Jesus, Maria.
Após a tomada de
Orléans, seguiram-se outras grandes vitórias. Graças a Santa Joana d'Arc,
renascera na França o ideal de unidade e a esperança de reconquistar o
território perdido. O povo não poupava entusiásticas manifestações de gratidão
e admiração pela "Donzela".
Chegou, enfim, o
almejado dia em que o Rei da França voltou a ocupar o trono ao qual só ele
tinha direito. Em 17 de julho de 1429, Carlos VII foi solenemente coroado,
tendo a seu lado Santa Joana d'Arc com seu estandarte. Alguém lhe perguntou o
motivo da presença daquele lábaro de guerra numa cerimônia de coroação, e
recebeu pronta resposta: "Ele esteve comigo na hora do combate, é natural
que esteja também no momento da glória".
Foi um dia de grande
festa. Mais do que nunca, a alegria invadia-lhe a alma. Embora os ingleses não
tivessem ainda sido expulsos totalmente, o Reino da França já estava
restabelecido!
Uma terrível
perplexidade
Em pouco tempo,
porém, a essa alegria se sobreporiam as pesadas sombras da ingratidão, das
intrigas e da traição.
O Rei, sentindo-se
agora poderoso e firme em seu trono, rapidamente se esqueceu da gratidão devida
a essa heróica donzela. Pior ainda, Carlos VII, dominado por surda inveja,
abandonou-a à própria sorte.
Santa Joana d'Arc
sofreria da mesma forma que o Divino Salvador, o qual, depois de ser recebido
triunfalmente no Domingo de Ramos, foi crucificado na Sexta-Feira Santa.
Mesmo assim, ela continuou
a luta, disposta a não depor armas enquanto houvesse tropas inglesas no
território francês. Tentando salvar a cidade de Compiègne, em 1430, ela foi
feita prisioneira por soldados da Borgonha (aliada da Inglaterra) e entregue
aos ingleses.
Estes levaram-na a um
tribunal da Inquisição, formado irregularmente e presidido por um bispo indigno
e corrupto, Pierre Cauchon, ao qual foi oferecida alta soma em dinheiro.
Perante o iníquo
tribunal, a inocente jovem foi acusada de heresia e bruxaria. Não faltou quem
atribuísse suas vitórias a um acordo com os espíritos malignos. Não lhe foi
dado um defensor, mas ela, assistida pelo Espírito Santo, defendeu-se com tanta
segurança e sabedoria que deixou pasmos tanto os acusadores quanto os juízes.
Esse tribunal, porém,
não se reunira para julgar... A sentença condenatória já estava decidida de
antemão. A salvadora da França foi condenada à pena de morte na fogueira em
praça pública.
Torturada pelas
pressões e injustiças das quais era vítima, Joana tinha um sofrimento maior,
uma terrível perplexidade: o Rei estava reposto em seu trono, mas os ingleses
ocupavam ainda boa parte do território francês; iria ela morrer sem ter
cumprido inteiramente sua missão?
O prêmio da confiança
e da fidelidade
Na manhã triste e
fria do dia 30 de maio de 1431, ela foi queimada viva na cidade de Rouen, aos
19 anos de idade. Amarrada em meio às chamas e olhando para seu crucifixo, ela
reafirmou em altos brados a inabalável confiança no cumprimento de sua missão:
"As vozes não mentiram! As vozes não mentiram!"
Terá ela recebido
nesse instante supremo alguma revelação que a tirou da angustiante
perplexidade? Ter-lhe-ão "as vozes" falado uma última vez, explicando
que, graças ao irresistível impulso por ela dado, em pouco tempo a França
estaria livre dos invasores?
Quem saberá dizer? O
certo é que em 1453, após a batalha de Castillon, os ingleses foram expulsos do
Reino da França.
Em 1456, um inquérito
judicial realizado por ordem do Rei teve como resultado a declaração da
inocência de Santa Joana d'Arc. Beatificada por São Pio X em 1909, foi ela
canonizada por Bento XV em 1920. A Santa Igreja celebra sua festa no dia 30 de
maio.
Guardadas as devidas
proporções, essa virgem guerreira e mártir bem poderia cantar como a Mãe de
Deus:
"Minha alma
glorifica o Senhor (...) porque lançou os olhos sobre a baixeza de sua serva, e
eis que de hoje em diante me proclamarão bem-aventurada todas as gerações.
Porque realizou em mim maravilhas Aquele que é poderoso e cujo nome é
santo."
Ir. Carmela W. Ferreira;
Revista Arautos do Evangelho, Maio/2004, n. 29, p. 32 à 35
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