Mal o Sol deitava seus
primeiros raios sobre a aldeia e da chaminé da casa do ferreiro saia uma fumaça
densa e negra, elevando-se em direção ao topo da montanha. Observando-a
atentamente, o pequeno Bernardo disse a Stella, sua irmã mais velha.
— Olha, Firmino está
trabalhando na forja desde cedo!
— Que homem ruim este
ferreiro... — respondeu a menina — Tão ranzinza é que ninguém consegue
suportá-lo. Poucas vezes o tenho visto, mas dizem que quando trabalha parece um
demônio ateando fogo no inferno. Vive sozinho, passa o dia inteiro diante da
forja, só fala quando entrega os artigos que lhe encomendaram e ninguém
consegue convencê-lo de ir às Missas aos domingos. Todo mundo tem pavor dele!
— Como será a alma de um homem
que nunca vai à igreja para receber a Eucaristia? — indagou Bernardo,
pensativo.
Ele estava se preparando para
fazer a Primeira Comunhão e, a partir daí, uma ideia tomou conta de sua mente
infantil: não podia fazer algum bem àquela alma por quem Nosso Senhor Jesus
Cristo também derramara seu Sangue preciosíssimo na Cruz?
Além do mais, aprendera na
catequese que “haverá maior júbilo no Céu por um só pecador que fizer
penitência do que por noventa e nove justos que não necessitam de
arrependimento” (Lc 15, 7). Trazer de volta à Igreja uma ovelha perdida não
seria um belo presente para oferecer a Jesus Eucarístico?
A ideia não o abandonou nem um
minuto ao longo do dia. No fim da tarde, montou em sua bicicleta e dirigiu-se à
casa do ferreiro. Tomado de coragem entrou na oficina, sem hesitar. Deparou-se
com a imensa forja, ferros e ferraduras por todos os cantos. Onde estaria
Firmino? De repente, ouviu uma voz grave atrás de si:
— Que fazes aqui, menino?
Logo o semblante de Bernardo
perdeu o colorido. Estava diante do terror da aldeia...
Contra toda a expectativa, ante
aquele olhar assustado e inocente, o ferreiro se comoveu e disse:
— Em que te posso ajudar?
Percebendo ter chegado o
momento propício, Bernardo lançou uma proposta:
— Posso trabalhar com o senhor?
Quero aprender a ser ferreiro.
Bastaram estas poucas palavras
para que a simpatia se acendesse em sua alma empedernida. Aceitando o pedido,
ofereceu abrir o local sempre que o menino terminasse as aulas, dispondo de
seus horários para ensinar-lhe os segredos da profissão.
Transcorreram alguns meses
neste relacionamento cordial. Bernardo várias vezes convidava Firmino para ir à
igreja na cidade próxima, pois na aldeia não havia paróquia. Este, todavia,
sempre recusava... Aquele homem, perito em dobrar metais, era incapaz de amolecer
seu coração de ferro. Contudo, não tardou ele em notar que estando com o
pequeno aprendiz seu espírito se acalmava e algo da candura do menino lhe
penetrava na alma. Mesmo assim, não queria dar-se por vencido...
Inesperadamente uma grave
doença abateu Firmino e viu-se ele mal à morte, piorando a cada dia. Havia mais
de trinta anos que o Sacramento da Reconciliação não exercia seus efeitos
naquela alma endurecida. Os vizinhos e Bernardo insistiam para que aceitasse
conversar com um sacerdote, mas em vão.
Gemendo no leito, Firmino
repetia:
— Nenhum padre ouse pisar aqui.
Não quero! Passei a vida sozinho e sozinho vou morrer!
Longe de desistir, Bernardo,
que era coroinha, decidiu ir de bicicleta até a cidade, a fim de pedir ao
pároco que fosse visitar o ferreiro. A tarde começava a cair e uma densa
neblina encobria o caminho. Com receio de não conseguir chegar a tempo,
acelerou o quanto pôde. Suas pernas tremiam pelo frio da forte ventania que, de
súbito, se fez sentir. Quando já não podia quase enxergar, caiu e a bicicleta
rolou ladeira abaixo! Ofegante, mas sem desanimar, reergueu-se de imediato e
retomou a pé o caminho até a igreja.
Fez-se noite e uma forte chuva
começou a cair. Inteiramente molhado e sem conseguir distinguir o caminho por
causa da escuridão, o menino desatou a chorar, gritando desconsolado:
— Mamãe, socorro! Mamãe, me
ajude!
Então ouviu uma voz a
sussurrar-lhe no ouvido:
— Não chames por tua mãe. Ela
não pode escutar-te aqui. Tem confiança, tudo vai se resolver.
Voltou-se em busca de quem
havia pronunciado aquelas palavras e não viu ninguém. Entretanto, elas o
tranquilizaram completamente e ele começou a rezar.
— Ó minha Mãe, ó Santa Virgem
Maria, não me abandoneis! Não permitais que eu morra antes de minha Primeira
Comunhão!
Foi então que uma forte luz
iluminou Bernardo. Eram os faróis de um carro que parou ao seu lado. Dele
desceu seu pai, que o tomou nos braços com cuidado e o acomodou no banco de
trás. Sabendo por Stella do piedoso motivo daquela aventura, admoestou-o com
muita suavidade e tomou o caminho de volta para casa, a fim de que trocasse a
roupa molhada logo. O menino, porém, não se esquecera de seu intento e insistiu
em passar antes pela paróquia, para buscar o padre Mateus e levá-lo até a casa
de seu amigo.
Quando regressaram, a aventura
do pequeno herói já se havia espalhado pela aldeia, chegando aos ouvidos de
Firmino. Aquilo foi como um raio de conversão a penetrar em seu coração de
aço... Ao aproximar-se do ferreiro moribundo, o sacerdote ficou estupefato ao
ouvir:
— Padre, entre! Estou
esperando-o, pois quero me confessar!
O ferreiro recebeu os
Sacramentos e faleceu serenamente no dia seguinte. Bernardo não pôde comparecer
aos funerais por estar acamado, curando-se do forte resfriado apanhado na
estrada. No entanto, no dia em que comungou por primeira vez, ofereceu a Jesus
Sacramentado, cheio de alegria, a alma do velho Firmino.
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