Naquele ano, fortes temporais castigaram a região montanhosa onde viviam
os avós de Caio. Ali predominavam pequenos vinhedos e vinícolas artesanais. Os
frutos colhidos tinham um sabor todo especial, devido ao clima e à composição
do solo, fazendo com que a produção chegasse até à capital e crescesse a fama
de seus vinhos, de singular degustação. Com o mau tempo, porém, a safra se
prejudicara e, por conseguinte, a preparação da bebida, levando muitas famílias
a passarem sérias dificuldades.
Caio tinha encanto pela propriedade dos avós e, a cada ano, quando
terminavam as classes, fazia as malas para viajar às montanhas e passar as
férias com eles, a quem tanto queria. Dona Ana e o senhor Alfredo sempre o
esperavam de braços abertos, pois o neto era a alegria da casa. Muito vivo,
logo cedo ele acompanhava o avô na lida do campo, fazendo festa para cada cacho
de uva que conseguia colher, ficando nas pontinhas dos pés, e se não fosse o
cuidado do amável e atento ancião entraria lagar adentro, para também espremer
as uvas. Ao entardecer, todos se reuniam no salão, patrão e empregados, onde
rezavam juntos o Rosário à Virgem Santíssima, e à noite, depois do saboroso
jantar feito em fogão a lenha, a prosa se estendia e dona Ana contava-lhe belas
histórias, enquanto tricotava.
Como seriam aquelas férias? Apesar da temporada não estar propícia, pois
as estradas estavam precárias, vários desabamentos tinham ocorrido e os ares de
tragédia sopravam na área vinhateira, a insistência do menino acabou vencendo a
resistência dos pais e afinal viajaram.
Chegando à fazenda, puderam comprovar a desolação: grandes áreas
alagadas, uvas apodrecidas nas cepas e os lagares vazios, por falta de frutos.
Os trabalhadores estavam parados e se não fossem as economias do avô estariam
passando por grandes necessidades. As chuvas já haviam cessado; contudo, agora
se tratava de tentar recuperar o que restara. O senhor Alfredo, como tinha as
terras menos danificadas, percorria propriedades vizinhas, ajudando os mais
carentes, e às vezes levava o neto.
Caio ficara um tanto assustado, pois era a primeira vez que tomava
contato com tão grandes calamidades. Todos os dias acompanhava também a avó à
igreja do povoado, onde a população se reunia para, depois da Missa vespertina,
rezar uma novena à Padroeira, pedindo auxílio em tão grave emergência. Ele já
havia feito a Primeira Comunhão e, em sua ação de graças, pedia com ardor a
Jesus escondido em seu peito inocente que tivesse pena daquela gente, e
consolasse as crianças, pois havia visto algumas chorando de fome nos rincões
mais afetados, quando ali estivera com o avô.
Uma tarde, quando regressavam da igreja, a avó resolveu passar pela
venda para umas comprinhas. Por coincidência, ali estava o Dr. Augusto,
prefeito da capital, que viera ao povoado para ver os prejuízos e apresentar um
projeto de ajuda na recuperação das propriedades e vinícolas mais atingidas.
Ele sorriu para a avó e seguiu tomando seu lanche e conversando com seus
secretários a respeito dos planos de assistência à zona. De repente, todos
viram entrar um menino maltrapilho e bem pequeno, que, tímido, se encostara à
parede do fundo do estabelecimento, fixando o chão, sem coragem de levantar os
olhinhos úmidos. Caio o reconheceu imediatamente: era filho de um dos
agricultores do recanto mais desolado que visitara com o avô. Devia estar com
muita fome. O prefeito se aproximou e perguntou:
- Qual é o seu nome? Onde você mora? Como o pequeno nada dizia, Caio se
adiantou:
- Ele mora perto da ponte. Estive lá com meu avô. Coitadinho! Sua
família perdeu tudo com as enchentes! - Dr. Augusto, com carinho, tocou-lhe o
ombro, dizendo:
- Você está com fome, não está? - Ele balançou a cabeça afirmativamente,
sem levantar o olhar.
- Olhe, pode escolher o que você quiser comer aqui na venda, porque eu
vou pagar tudo.
Só então a criança levantou os olhinhos marejados de lágrimas e esboçou
um leve sorriso. Tomando-o pela mão, o prefeito levou-o até o balcão, para que
escolhesse o que queria. No entanto, o pequeno escolheu apenas uma simples penca
de bananas, pois esta continha o número exato que precisava para dar aos pais e
irmãos.
- Só isso? - retrucou o Dr. Augusto - Leve mais! Sua família tem fome
também. Você deve ter irmãozinhos. Leve para eles!
Armando-se de coragem, ele então pegou um queijo, outras frutas, leite e
alguns pãezinhos. Depois de fazer seu suculento pacote, onde o prefeito
acrescentara ainda vários doces e chocolates, voltou feliz para casa, pois pelo
menos nesse dia não iriam dormir com fome.
A proprietária da venda, dona Adelaide, tudo observava sem dizer uma só
palavra. Terminado o lanche, Dr. Augusto e seus acompanhantes se dirigiram
apressadamente ao caixa para pagar a conta, pois já caía a noite e deveriam
voltar à capital por caminhos cheios de curva e escorregadios. Ao perguntar
quanto devia por seu lanche e pelo do garoto, dona Adelaide respondeu:
- Nada! Que tenha boa viagem, doutor! Tendo visto seu ato de bondade tão
bonito, eu não podia fazer diferente com o senhor. O prefeito, atônito,
agradeceu e saiu, exclamando:
- Um povoado onde impera tal espírito caritativo entre seus habitantes,
não há mau tempo que o possa destruir! Contem com nossa ajuda!
Dona Ana e Caio assistiram a cena com grande admiração, mas deveriam
também voltar para casa. A piedosa senhora, conduzindo o neto pela mão, saiu
dizendo:
- Assim nos trata Deus, meu filho! Vendo a liberalidade que temos para
com os outros, é ainda mais dadivoso para conosco, dando-nos o cêntuplo. Nunca
se esqueça: Ele jamais se deixa ganhar em generosidade.
Revista Arautos do Evangelho, Nov-2012
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