• segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

    A imagem do espelho

    Irmã Ana Rafaela Maragno, EP
    Irmã Maria Pureza do Imaculado Coração fora uma religiosa piedosa e observante de sua regra. Havia entrado para o convento muito menina, com tão somente 15 anos, por uma concessão extraordinária do senhor Bispo, e ali vivera mais de seis décadas. Toda a comunidade a respeitara de maneira especial e, hoje, é venerada como uma verdadeira santa.
    Sua história é muito interessante e bonita.  
    Havia nascido em uma família muito abastada e seu nome de batismo era Madalena Maria. Única filha entre cinco varões, a mãe se encantava com a pequena e o pai tinha denotada predileção por aquela a quem chamava de “minha princesinha”.
    Ora, tudo isso a tornou muito vaidosa. Passava horas diante do espelho, penteando seus longos cabelos, loiros e cacheados, alisando suas finas sobrancelhas ou apenas contemplando seus grandes olhos azuis. Madalena cresceu muito mimada pela família, inclusive pelos irmãos, e recebendo sempre elogios por sua inegável formosura: “Que menina linda!”; “Que bonequinha!”; “Parece uma princesa!”.  
    Madalena ficou orgulhosa, arrogante e egoísta. Às vezes se recordava das lições do Catecismo de sua Primeira Comunhão, quando havia aprendido como a maior beleza de uma pessoa é a que reflete a humildade da alma e a pureza do coração. Todavia, o espelho continuava atraindo-a... e logo deixava de lado aqueles bons pensamentos para cair outra vez na mais intensa vaidade.
    Uma noite, porém, Madalena teve um sonho. Sonhou que estava admirando-se no espelho e, de repente, sua imagem se transformou na figura de um Anjo, olhando-a de modo severo. Assustada, escutou uma voz firme:
    — Madalena... Madalena... Por que te preocupas tanto por tua aparência? O espelho é teu maior inimigo!
    A menina se afastou daquele objeto antes tão atraente, mas não podia tirar os olhos da imagem ali fixada. E o Anjo continuou, já com fisionomia mais amena:
    — Madalena, se tu queres ser bela, sê pura! A pureza é a fonte de toda beleza!
     Dizendo isso, desapareceu...
    Madalena se despertou ofegante... Que havia passado? Buscou o espelho e olhou-se, vendo só sua própria imagem! No fundo da alma, compreendeu como seu orgulho e vaidade iam levá-la pelo mau caminho.
    No dia seguinte, quis fazer uma visita às freiras do mosteiro de sua cidade, para pedir uma orientação. A madre superiora a acolheu com bondade e lhe recomendou ter muita devoção a Nossa Senhora, Rainha dos Anjos e Mãe Puríssima, pois ninguém na Terra havia sido tão linda quanto Ela, justamente por sua pureza virginal.
    Madalena levou a sério o conselho da religiosa e sua vida mudou de maneira radical. Tornou-se humilde e prestativa, ajudava a todos que a ela recorriam, e unicamente se olhava no espelho o necessário para ter uma digna apresentação. Nasceu, então, em seu coração o desejo de reparar as faltas anteriores. Decidiu ser religiosa e fez o propósito de nunca mais olhar-se no espelho!
    Vencendo vários obstáculos — entre eles a incompreensão dos pais e sua pouca idade, a qual tornou necessária uma autorização especial —, por fim conseguiu entrar nas paredes benditas do mosteiro, onde almejava levar uma vida pura, humilde e virtuosa, e onde em nenhuma cela havia espelho...  
    Ali recebeu o nome de Irmã Maria Pureza do Imaculado Coração e cumpria seu propósito com perfeição. Obediente e recolhida, quando tinha a função de pegar água na fonte para a cozinha, o fazia com os olhos fechados, para não ver sua imagem refletida na água. Ou se era designada para limpar a roupa do convento, evitava fitar-se nos grandes tanques da lavanderia.
    Sua devoção à Santíssima Virgem era notória. Continuamente viam-na rezando aos pés das belas imagens de Maria que havia na capela ou no claustro, sobretudo diante da do Imaculado Coração. Sempre discreta e amável com as outras freiras, sua presença marcava a vida comunitária. Por isso, depois de passados tantos anos, suas irmãs a respeitavam como modelo de santidade.
    Ela nem se dava conta, mas sua fisionomia, pela prática da virtude, havia se tornado ainda mais bela! Seu rosto possuía uma luminosidade antes inexistente e seus grandes olhos azuis, espelho de sua alma pura, adquiriram uma profundidade nova, tornando-se mais formosos e atraentes. Nem os anos conseguiram deteriorar aquela juvenil louçania, reflexo de um virtuoso interior.
    Entretanto, sua saúde começou a debilitar-se com o tempo. Sem preocupar-se consigo mesma, seguia desempenhando suas funções e cumprindo as obrigações com esmero e amor. Até que, estando quase sem forças, viu-se obrigada a guardar repouso na enfermaria. Aproximava-se a hora de prestar contas a Deus.  
    Pressentindo a chegada da morte, já febril e extenuada, Irmã Maria Pureza pedia algo que as freiras, ajoelhadas à sua cabeceira, não conseguiam entender. Pensavam estar ela delirando e rezavam a oração dos agonizantes. Mas a doente seguia balbuciando algumas curtas palavras.
    Por fim uma jovem freira creu compreendê-la:
    — Parece querer um espelho!
    — Um espelho?! — exclamaram todas.
    Como alguém que havia vivido tantos anos fugindo desse objeto podia pedi-lo na hora de morrer? Mesmo sem intuir o motivo de tão inusitado pedido, a superiora decidiu atender ao desejo da pobre moribunda. Mandou procurar um espelho e colocou-o nas mãos da enferma.
    Ao sentir o peso do objeto, os olhos de irmã Pureza se abriram, ergueu a cabeça e delineou um enorme sorriso. Aquele milagroso espelho não refletia a fisionomia exausta da agonizante, mas sim rosto luminoso de Maria Santíssima. Viera buscar a alma daquela que, desapegando-se da própria beleza, havia se tornado digna de contemplar as maravilhas celestiais. 
     Revista Arautos do Evangelho n. 109.jan 2011 


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