Desejando representar a Última
Ceia, um pintor empregou vários anos na procura de modelos para Jesus e os doze
Apóstolos. Sua preocupação era retratar de maneira perfeita nas fisionomias a
psicologia e o caráter de cada personagem do quadro.
Jesus devia personificar a
inocência, a bondade e a beleza. Foi, naturalmente, o modelo mais difícil de
encontrar. Precisava ser um varão na plenitude da idade e da força, isento de
qualquer marca de pecado. Tarefa nada simples, na qual empregou cerca de dois
anos de afanosa procura.
Por fim, exultante, encontrou
seu “Jesus”. Passados seis meses, estava pronta a figura principal da ousada
obra.
Árdua também foi a tarefa de
conseguir modelos para os demais Apóstolos. São Pedro, com seu caráter um tanto
áspero, mas fogoso, sincero e leal; São Tiago Maior, chamado “filho do trovão”,
fisicamente parecido com Jesus, de quem era primo; São Tomé, com seu ar de
incredulidade e dúvida... e assim por diante. Anos e anos empregou o artista
neste trabalho.
São João e Judas foram deixados
para o fim; talvez para melhor ressaltar a diferença entre o Apóstolo virgem e
o asqueroso traidor.
Jovem com fisionomia de anjo
Transcorridos alguns anos,
estava concluída a primeira parte do trabalho. Tratava-se, agora, de encontrar
um modelo para o “discípulo que Jesus amava”. Certo dia, viu um jovem com
fisionomia angelical. Em seu olhar refletiamse a pureza virginal, a inocência e
a retidão de caráter do São João idealizado pelo pintor. Com muito tato, o
artista expôs-lhe seu projeto e o convidou para o honroso papel.
Sua primeira reação foi de
espanto: “Eu, servir de modelo para um Santo! Longe de mim!” Sendo-lhe, porém,
explicada a finalidade do quadro e o bem que podia fazer, terminou por aceitar
e acompanhou o pintor ao atelier. Findo o trabalho, este exclamou contente:
“Ecco! Abbiamo San Giovanni!” — “Pronto, temos São João!”
Demorada procura de Judas
Naqueles tempos, ser bom era
bonito; e feio, ser mau. Daí a dificuldade em encontrar alguém tão depravado,
ganancioso e vil para modelo de quem cometeu o crime de vender um Deus por 30
moedas.
Corriam os anos, e o pintor
olhava com pesar para o quadro incompleto. Mas dava graças a Deus por não
encontrar um Judas em sua cidade. Conformado, pensava mesmo em deixar vago o
lugar do traidor. Certo dia, passando próximo a uma taberna, viu um homem cujo
rosto lhe pareceu a própria figura da avareza, da traição e do crime. Sentindo
um arrepio de horror, o artista pensou consigo: “Eis o homem! Este, sem dúvida,
trairia seu melhor amigo”. Estava encontrado o modelo de Judas.
Durante considerável tempo,
aquele ser horrendo pousou em silêncio, enquanto via formar-se na tela sua
monstruosa fisionomia. Quando o pintor deu o último traço na obra, ele pôs-se a
chorar convulsivamente e, por fim, perguntou:
— Não te lembras de mim?
— Nunca te vi antes! —
respondeu, surpreso, o artista.
— Olha-me de novo. Sou o jovem
que, há sete anos, tomaste por modelo para representar São João!
Haverá restauração para mim?
Depois, erguendo os olhos ao
céu, o miserável exclamou: “Oh Deus! Como fui cair tão baixo?!” Vendo que o
piedoso artista o fitava com olhos de compaixão, perguntou-lhe:
— O que preciso fazer para sair
desta minha triste situação?
— Basta querer! É preciso
confiar na bondade do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria.
O maior pecado de Judas não foi o de trair seu Mestre, mas o de não confiar na
sua infinita misericórdia. Ele teria sido perdoado se tivesse rezado a Nossa
Senhora: “Lembrai-Vos, ó Mãe piedosíssima, que nunca se ouviu dizer que alguém,
tendo recorrido à vossa proteção e implorado o vosso socorro, fosse por Vós
desamparado... Intercedei por mim! Não seja eu o primeiro a ser abandonado!” A
Virgem Santíssima, a celeste pintora, pode apagar os traços fisionômicos de
Judas impressos pelo pecado em teu rosto, e restaurar nele a fisionomia pura e
inocente de São João.
Ouvindo essa resposta do
pintor, o homem se retirou com os olhos ainda marejados de lágrimas, disposto a
fazer penitência por seus pecados.
O resto de sua história, só
Deus conhece...
Revista Arautos do Evangelho n.31 jul 2004
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