• quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

    Um só pão e dois prodígios

    Ir. Carmela Werner Ferreira, EP
    O pai de Pierre morrera em consequência da miséria. Seis meses mais tarde, sua esposa o seguiu, consumida pelas privações.
    — Adeus, disse a mulher ao filhinho, deixo-te sozinho aqui na terra; seja bom e persevere na oração, que um dia nos encontraremos no Céu.
    Pierre ficou só no mundo. Tinha apenas seis anos, e uma vizinha caridosa acolheu-o, dividindo com ele o seu pão de cada dia. Entretanto, por mais que se esforçasse em cuidar do menino, o coração do pequeno órfão estava sempre junto aos pais ausentes, que ansiava por reencontrar. Numa das longas noites que passava acordado, foi tomado por um pensamento:
    — Ah! O Céu! Deve ser um lugar de muita alegria, porque papai e mamãe foram para lá e nem sequer pensam em voltar. Estou certo de que no Céu não deve faltar coisa alguma. Mas... por que eles não me levaram também? Se eu pudesse ir ao seu encontro, abraçá-los e beijá-los!
    Desde aquele dia, Pierre pôs na cabeça a ideia de partir para o Céu à procura dos pais. Certa manhã, sem dizer nada a ninguém, arrumou uma trouxa com a pouca roupa que tinha e se pôs a caminho.
    Depois de muito andar, chegou a uma aldeia. Vinha tão exausto que caiu diante de uma porta onde havia uma cruz. Era a casa paroquial.
    O bom sacerdote ouviu um gemido e correu para ver o que era, deparando com o menino estendido no chão.
     — Quem és tu, pobre criança, e de onde vens?
    — Eu sou Pierre; papai e mamãe deixaram-me sozinho e foram os dois para o Céu. Mamãe me disse que eu os encontraria um dia lá, desde que fosse bom e rezasse sempre. Mas onde é esse bendito Céu? Faz tanto tempo que ando para encontrá-lo!
    — Vem comigo, pobre pequeno, disse o padre enternecido. Vamos juntos procurar mamãe e papai.
    O orfãozinho passou então a viver com o piedoso sacerdote, junto de quem se sentia menos infeliz. Porém, o seu pensamento continuava fixo no Céu.
    — Mas enfim, senhor cura, perguntou um dia. Onde está o Céu? Por que é que o senhor ainda não me levou para lá, como prometeu?
    — Reza a Deus, meu filho. Ele é tão dadivoso que nos ajudará a encontrá-lo.
    Pierre dirigiu, então, suas preces fervorosas ao Altíssimo. Nada era mais comovedor que vê-lo de joelhos diante do altar, com as mãozinhas postas. Este era o seu lugar preferido, onde no suave silêncio do recinto sagrado suas tristezas se amenizavam.
    Afeiçoara-se de modo particular a uma imagem da Virgem Santíssima que trazia nos braços o Menino Jesus. Aquela imagem, esculpida em madeira, era um trabalho muito antigo e constituía uma verdadeira raridade. Contudo, nem todas as coisas raras e curiosas são belas. A Virgem Maria e Jesus tinham o rosto exageradamente magro.
    Diante dos dois, Pierre sentia-se comovido; em sua candura imaginava que Nossa Senhora era assim tão magra porque não se alimentava. Bastava-lhe pensar que a Mãe de Jesus sofria fome, que seus olhos se enchiam de lágrimas e ele chorava de compaixão.
    Certa manhã, à hora do café, guardou para Ela um pedaço de pão, e foi depositá-lo aos pés da imagem, dizendo:
    — Comei à vontade e sem temor, ó boa e santa Virgem, pois eu me sinto contente por me privar desse pão para dá-lo a Vós, que precisais tanto dele. Comei, que quando tiverdes acabado esse pedaço, eu trarei outro!
    Após isso, ele saiu da igreja. Quando voltou mais tarde, não encontrou o pão onde deixara.
    Satisfeito por ver que Nossa Senhora aceitava o seu oferecimento, repetia a façanha todos os dias, e todos os dias o pão desaparecia. Mas depois de algum tempo, Pierre observou que a Virgem continuava magra. Procurou o sacerdote e contou-lhe o caso.
    — Faz tanto tempo que eu levo o meu pão a Nossa Senhora, e Ela ainda está tão magra! O que acha o senhor, padre? Eu por mim suspeito que a Virgem tenha alguma doença; não seria uma boa ideia mandá-la examinar por um médico?
    — Mas a estátua de Nossa Senhora não pode comer o teu pão, explicou sorrindo o cura.
    — No entanto, retrucou Pierre com seriedade, eu lhe garanto que Ela come, porque o pão desaparece em pouco tempo.
    O pároco, curioso, resolveu desvendar o mistério. Disse a Pierre que levasse o pão como de costume e se escondeu num canto da igreja, de onde podia vigiar a imagem e ver tudo o que se passava sem ser visto.
    Pierre acabara de sair da igreja que estava silenciosa e vazia. De súbito, ouviu uns passos muito leves. Um menino, pobremente vestido, foi ajoelhar-se diante da imagem. Sorriu, apanhou o pão, beijou-o e escondeu-o debaixo de seus farrapos. Em seguida, fez o sinal da cruz e começou as suas orações com recolhimento e fervor.
    O sacerdote deixou então seu posto de observação e pousou a mão no ombro do menino. Num sobressalto, o pequeno implorou: — Ah, senhor padre! Eu não sou nenhum ladrão! Estou aqui apenas para buscar o pão que Nossa Senhora me dá de presente.
    — E como sabes que a Virgem te dá esse pão? Perguntou o pároco, intrigado.
    — Mas padre, o senhor mesmo ensina no púlpito que Deus nunca deixa de atender às nossas necessidades. Como eu sou muito pobre, não deixo de vir todas as manhãs pedir a Nossa Senhora o meu pão de cada dia. E todas as manhãs Ela me ouve, pois o encontro sempre aqui.
    O bondoso cura precisou esforçar-se para não deixar transparecer a profunda comoção interior que lhe invadia a alma. O frescor da fé que palpitava nos corações daqueles dois meninos lhe proporcionara a ocasião de admirar tão bela obra da Providência Divina; aquela mesma Providência que sempre atende solícita às súplicas dos que confiantemente A invocam.
     Revista Arautos do Evangelho n. 71. nov 2007.

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