• terça-feira, 21 de julho de 2015

    São Lourenço de Bríndisi

    Antes de comentar a vida de São Lourenço de Bríndisi, vale a pena termos uma noção do que era um capuchinho no século XVI, para melhor avaliarmos a projeção da figura desse santo no mundo daquele tempo.
    Conhecemos o traje clássico dos capuchinhos. É aquele hábito marrom- claro, na cintura um rosário, sendo que as fileiras de contas são unidas pela figura de uma caveira. Calçam sandálias sem meias, usam a barba grande e cabelo aparado quase rente.
    O capuchinho entrava, desse modo, num contraste violento com o modo de se trajar e de se apresentar dos homens da época.
    Era esse o papel simbólico dos capuchinhos na civilização daquele tempo. Representavam tudo quanto há de austero na vida, e constituíam a contrapartida harmônica de tudo quanto havia de magnífico na vida, que a civilização daquele tempo estava elaborando.
    Desde a infância preparando a alma para grandes batalhas
    Vamos agora estudar a vida desse Santo sob esse aspecto. Passemos à leitura de trechos da biografia dele.

    Nasceu em Bríndisi, em 1559. Foram seus pais das mais nobres famílias daquela cidade. Tinha apenas quatro anos quando pediu aos pais para entrar no convento dos Frades Menores. Os pais acederam. Lourenço era aplicado. Gostava muito de ouvir sermões, retinha-os facilmente e os repetia com exatidão. Às vezes faziam-no pregar no Capítulo, para que todos ouvissem.
    Que encanto um capuchinhozinho com voz de criança, mas já com catadura de atleta de Cristo, fazendo sermões que ele ouvia e repetia! Isso ia formando o menino para as grandes batalhas que ele ia travar, para o desembaraço que constitui uma das formas da grandeza capuchinha.
    O Arcebispo, a quem a notícia chegou, quis também ouvi-lo, e o obrigou a ir pregar na catedral diante de numeroso público, que muito proveito tirou.
    Levemos em consideração que, naqueles lugares pequenos da Itália — sem rádio, televisão, cinema — qualquer singularidade despertava curiosidade. Assim a Catedral se enchia para ouvir o sermão de um meninozinho extraordinário. O povo, como era naquele tempo, falante, exuberante, fazendo comentários antes de chegar o menino. De repente, este sobe, começa a fazer ouvir sua voz, o silêncio se estabelece aos poucos. Terminado, o órgão toca, alguém canta uma Ave-Maria, e o público vai lentamente se escoando depois de ter recebido a bênção do Bispo.
    O menino entra no convento e não ouve nenhuma das repercussões. Vai dormir e, na manhã seguinte, está limpando o chão.
    Ao receber pressões da mãe, São Lourenço foge.
    Tendo morrido seu pai, quis a mãe que o filho voltasse para casa, a fim de lhe fazer companhia. Mas o jovem procurou esquivar-se às solicitações dela e fugiu para Veneza, onde estava um tio seu, sacerdote, reitor do Colégio de São Marcos.
    Veneza de manhãzinha, com seus palácios, seu panorama aquático magnífico, mil jogos de luz maravilhosos. O fradinho que fugiu e viajou a noite inteira entra tranquilamente na cidade, toma uma gôndola e, de pé, olhando os palácios e pensando em como o Reino dos Céus é maior do que o da Terra, chega à casa do tio para estudar. O tio era aliado de Deus e o acolhe, e a mãe desiste de exercer seu poder.
    Concluindo ele os estudos de filosofia, seu tio o destinou à Faculdade de Direito Canônico. Chegado aos 17 anos, pediu o hábito capuchinho, e o Provincial lhe concedeu com gosto. Em 24 de março de 1576, ele fez a solene profissão.
    Maravilhosas conversões
    Aos 36 anos, foi nomeado Ministro Geral para toda a Ordem. Quando Clemente VIII mandou os capuchinhos para a Alemanha, o Santo foi um dos encarregados. O Imperador [do Sacro Império] teve grande satisfação nessa escolha e concedeu-lhe ampla autorização para fundar mosteiros. Fundou-os na Boêmia, Áustria, Morávia e Silésia.
    Fundar mosteiros é encontrar vocações para eles, encontrar dinheiro para construí-los e superiores para dirigi-los. É difícil encontrar quem queira levar a vida austera de um capuchinho. Mas ele formou mosteiros em todas essas regiões.
    Os Sumos Pontífices confiaram-lhe as mais delicadas missões. Várias vezes foi enviado como embaixador a cortes de diversos príncipes. Estes o honravam também com o caráter de seu embaixador. Assim compareceu às cortes dos príncipes da Alemanha e até à Dieta do Império. Seu zelo reteve naquele país e heresia luterana.
    Podemos imaginar cenas de Cortes: o arauto anuncia que vai entrar no salão o Embaixador do Santo Padre, tido como o decano dos diplomatas em todos os países católicos, e entra o frade capuchinho na singeleza de seus trajes. Grande reverência ao rei, e prossegue, no meio dos tapetes de luxo, do esplendor, sereno e indiferente, sem revolta e sem admiração, com os olhos postos no Céu e pregando a verdade, às vezes terrível.
    Imprudente no nível humano, prudente no sobrenatural
    O Imperador desejou que alguns capuchinhos fossem como capelães do exército à Hungria. São Lourenço foi à frente da missão. Era general o Arquiduque Matias, irmão do Imperador, o qual, estimulado pelas promessas que lhe fazia Lourenço da parte de Deus, de alcançar vitória sobre os inimigos, determinou atacá-los perto de Alba Real.
    O Arquiduque, excelente general, considerava imprudente atacar os maometanos, que estavam chegando pelos Bálcãs para atacar a Hungria e depois a Áustria, por assim dizer, pelas costas, enquanto os Habsburgos tinham de enfrentar o ataque dos protestantes da Alemanha e a oposição política francesa.
    Situação crítica para a Casa d’Áustria. O Arquiduque Matias, parente do Imperador, generalíssimo das tropas do Império Romano-Alemão, diante dos turcos duvida se ataca ou não. Podemos imaginá-lo numa tenda magnífica, reunido com seus homens de guerra, olhando mapas sobre uma mesa de emergência, discutindo se avança ou não, com dados obtidos pelos espiões. Segundo as regras da técnica militar, a batalha é imprudente. Entra então a sentinela e diz: “Frei Lourenço quer falar”. O Arquiduque Matias aquiesce e o capuchinho entra, avisando a revelação de Deus: “Podem dar o ataque, porque vencerão”.
    Há um momento de sensação, quando, ouvido o religioso, que não dá razões técnicas, mas só as ouvidas do Céu, os generais veem o Arquiduque hesitar. Alguém um tanto incrédulo diz: “Alteza, não permita essa luta. Será o fim dos exércitos e o fim da Arquifamília” (chamavam desse modo pitoresco a família dos Arquiduques).
    — Não — repete Frei Lourenço. — A glória da Arquifamília está na batalha. Seus caminhos passam pelos caminhos de Deus. Para a frente! Ordena o ataque.
    Naquele tempo ainda havia Fé. Os homens criam. O Arquiduque decide dar a batalha, porque Frei Lourenço lhe prometeu vitória. Batalha imprudente no terreno humano, mas prudente no terreno sobrenatural, que ia ser abençoada por Deus.
    Os cristãos, embora inferiores em número, acometeram com tal ímpeto que galgaram de espada em punho as trincheiras, conseguindo uma vitória completa e a conquista de Alba Real. Os turcos recuaram. Esse sucesso, que custou apenas 30 homens aos cristãos, julgaram todos que foi devido às orações de Lourenço, o qual, durante todo o combate, montado em um cavalo, animava os soldados a combaterem pela fé.
    Que cena magnífica! O capuchinho montado a cavalo, segurando as rédeas com uma mão e a cruz com outra. E o tempo inteiro percorrendo as fileiras e estimulando à luta, prometendo o Céu para quem morresse.
    E aqueles homenzarrões, com parte do armamento ainda de metal, tendo de enfrentar tiros de canhão ainda incipiente, projéteis com pedras, e a carga contrária dos maometanos, o ouvem tão inflamados que vão com ímpeto, fazendo os maometanos flectirem e fugirem. Podemos imaginar como foi o declínio da tarde sobre Alba Real conquistada pelos católicos. A alegria das tropas católicas diante do milagre evidente. O Arquiduque talvez na casa do governador maometano de Alba Real; todos descansando nos vários lugares da batalha. Repicam os sinos. Frei Lourenço está chamando para a prece. A igreja está cheia. Entram, ele está junto ao altar e canta um magnífico Te Deum. Isso é viver!

    Extraído e adaptado da revista Dr Plinio Jan 2003

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