Nas ensolaradas e
cálidas terras do Oriente, vivia um rico mercador chamado Samuel. Estava sempre
bem vestido com longa túnica dourada, cingida por uma larga faixa azul clara, e
portando um turbante vermelho, ornado por uma ametista. Tinha a face tostada pelos
raios solares e seu grosso bigode ia diminuindo de espessura até formar duas
finas pontas voltadas para cima.
Era muito esperto e
inteligente. Os habitantes da região o conheciam bem, mas, com sua aparência de
homem respeitável e sua grande rapidez de raciocínio, ludibriava os viajantes
pouco informados, levando-os a pagar um preço excessivo pelas suas mercadorias
— tapetes, perfumes, porcelanas e tecidos — e a ficar com a certeza de ter
feito uma excelente aquisição. Desta forma, seus negócios rendiam-lhe altos
lucros, e ele tornou-se um dos homens mais ricos do lugar.
Exitoso e abastado,
Samuel tinha uma total confiança em si mesmo e, apesar de ser cristão, nunca
rezava nem frequentava os Sacramentos. Sua mãe, Dona Clementina, pelo contrário
era muito religiosa e insistia com ele:
— Meu filho... é
preciso cumprir os Mandamentos, rezar, ir à Missa aos domingos!
Samuel costumava
responder-lhe:
— Sabe, mãe, tudo
está nas mãos de Deus. Portanto, se Ele quiser me levar para o Céu, levará sem
que eu precise ir à igreja, receber os Sacramentos ou rezar. E se Ele não
quiser, não adianta rezar, porque não me salvarei, ainda que pratique muitos
atos de piedade.
A boa senhora lhe
explicava:
— Não é assim, meu
filho. Já dizia Santo Agostinho: “Deus que te criou sem ti, não te salvará sem
ti”! Tudo está nas mãos de Deus, é verdade, mas assim como Ele nos amou,
dando-nos a existência, quer nossa retribuição e participação para salvar nossa
alma.
— Ora, mãe, Ele fará
tudo segundo a vontade d’Ele mesmo... Disso ninguém escapa.
Com muita frequência
tal diálogo se repetia. E aquela boa mãe não podia fazer outra coisa senão
rezar pelo filho.
José, o empregado da
casa, era muito piedoso e dedicado aos patrões. Pessoa simples, mas perspicaz,
observava em silêncio as pequenas discussões da mãe com o filho e pensava que
deveria haver alguma resposta para dar ao patrão. Concordava com sua afirmação
de que tudo está nas mãos de Deus, mas não podia aceitar que as orações, os
Sacramentos e os atos de piedade fossem coisas inúteis.
Não podia ser em vão
que Nosso Senhor nos ensinou a suplicar o auxílio divino, pois Ele mesmo disse:
“Pedi e recebereis; buscai e achareis; batei e a porta vos será aberta. Pois
todo aquele que pede, recebe; quem procura, acha; e a quem bate, se abrirá” (Lc
11, 9-10).
E José dizia de si
para consigo:
— Vou pedir ao Divino
Espírito Santo que me ilumine e, algum dia, encontrarei um meio para desmontar
este pensamento errado de meu patrão, que só serve para justificar seu
relaxamento.
Não tardou muito para
chegar a esperada oportunidade!...
Numa manhã, Samuel
despertou sentindo-se muito doente. Doía-lhe a cabeça, e nem tinha forças para
sair da cama. Preocupado, chamou o servo e lhe disse:
— José, amanheci
sentindo-me muito mal. Nem consigo levantar-me. Por favor, procure o Dr.
Adeodato e diga-lhe para vir bem depressa.
O bom homem saiu do
quarto do patrão e pôs-se a rezar. Havia encontrado a oportunidade que tanto
esperava! Mas aguardaria até o entardecer...
Aquele dia passou
muito lentamente para Samuel. Seu mal-estar não diminuía. Entre dormitar e
sentir dor, ficou muitas horas esperando a visita do médico, que parecia nunca
chegar!
Quando a tarde já
terminava, chamou de novo o empregado e perguntou-lhe:
— José, que
aconteceu? Por que não apareceu aqui o médico?
Com simplicidade,
José lhe respondeu:
— Meu bom patrão, o senhor sempre repete que
tudo está nas mãos de Deus e nada depende de nós. Então eu pensei assim: se
Deus quiser que o patrão sare, com médico ou sem médico ele vai sarar. Mas se
Deus não quiser, então nem adianta médico, porque ele vai morrer de qualquer
forma... Por isso não chamei o Dr. Adeodato.
Samuel ficou vermelho
de raiva, porque o criado não cumprira sua ordem... ou talvez de vergonha, ao
ouvir as palavras cheias de bom senso daquele homem. E José ainda continuou:
— Aprendi com o senhor este raciocínio. Se,
como o senhor sempre diz, ele é certo para a saúde da alma, deve ser também
para a do corpo…
Samuel, neste
momento, foi tocado pela graça e se deu conta de quantas vezes usou sua
capacidade de fazer bons raciocínios para justificar seus próprios erros. E
ante a resposta cheia de sabedoria daquele servo bom e fiel, o rico mercador
não podia tomar outra atitude senão reconhecer:
— Você tem razão!
Como estou errado por pensar assim! Por favor, chame o médico para cuidar da
saúde de meu corpo e prometo, de agora em diante, cuidar mais de minha alma!
Prontamente José
chamou o doutor e este não tardou em chegar. Samuel tomou os remédios indicados
e logo começou a melhorar.
No domingo seguinte,
Dona Clementina teve a surpresa de ver que o filho a acompanharia à Missa. E
mais espantada ficou ao vê-lo buscar a fila do confessionário e, depois,
participar do Sagrado Banquete da Eucaristia.
Samuel nunca mais
abandonou a vida de piedade. Passou a vender suas mercadorias a um preço justo
e a dedicar boa parte dos lucros a obras de caridade, o que lhe fez ganhar o
afeto e o respeito dos seus conterrâneos. E manifestou sempre gratidão a José,
por este ter sido — com suas orações, esperteza e paciência — o instrumento de
Deus para a sua conversão.
Revista Arautos do Evangelho
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Junho 2010
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