Ir.
Mariana Morazzani Arráiz, EP
O ambiente alegre e
festivo de uma antiga feira medieval era contagiante: centenas de
pessoas, adultos, jovens e crianças, moviam-se continuamente,
falavam, cantavam, gesticulavam, discutiam preços ou simplesmente se
distraíam. Iam lá para comprar? Para comer? Ou só para ver as
novidades? Tudo isso e algo mais. Nessas feiras podia-se encontrar de
tudo.
Em uma tenda, um
estrangeiro de longa barba escura vendia tecidos preciosos das mais
variadas cores; ao lado, um ferreiro demonstrava a qualidade de suas
facas (“Veja, freguesa, nunca perdem o fio!”); mais adiante, um
gordo e bonachão açougueiro, com avental todo salpicado de
vermelho, pesava uma porção de carne numa balança de precisão
duvidosa.
E além das vozes e
idiomas que se misturavam, das crianças que choravam e dos
vendedores que apregoavam suas mercadorias, sons de todos os
instrumentos enchiam os ares, pois música é o que não faltava
nessas ocasiões...
Naquele dia,
caminhava em meio à colorida e movimentada multidão um homem
barbado de meia-idade, baixa estatura, um tanto calvo e bem magro.
Trajava uma surrada túnica marrom, com um cordão atado à cintura,
e parecia ser muito estimado na região, pois quase todos o
cumprimentavam cordialmente, e ele respondia da mesma forma. Por uns
instantes, parava para conversar com o padeiro e metia dois pães na
grande sacola que trazia; pouco além, pegava um queijo; mais alguns
passos, uma dúzia de maçãs; noutra tenda, três repolhos. Mas —
coisa curiosa! — ele a ninguém pagava um centavo sequer.
Como explicar isso?
É que o bom homem, um irmão leigo franciscano conhecido pelo nome
de Frei Bartolomeu, recolhia doações para seu mosteiro.
Depois de percorrer
boa parte da feira e ter sua sacola quase cheia, foi despedir-se de
um antigo conhecido. O velho Simão não comercializava alimentos nem
tecidos, mas sua loja estava sempre cheia de gente curiosa. Ele
vendia aves canoras e decorativas.
— Bom dia, Simão!
Que novidades você tem hoje?
— Olá, Irmão
Bartolomeu! Infelizmente o senhor chegou tarde... Hoje cedo vendi um
belo pavão para a senhora condessa. Que animal mais lindo! Estou
certo de que o senhor teria ficado encantado de vê-lo.
Enquanto falava, o
velho tirava um pequeno papagaio de dentro de uma gaiola e o punha
sobre a mesa. O pássaro, no entanto, ficou parado, sem fazer
qualquer tentativa de fuga. Parecia um pouco tonto, pois balançava-se
para um lado e para outro.
— E este bichinho?
— perguntou o monge. — Ah, este está muito doente, acho que vai
morrer, e não tenho paciência nem tempo para cuidar dele. Estou
pensando em torcer-lhe o pescoço, para abreviar-lhe o sofrimento.
— Oh, não faça
isso! Por que não o dá para mim?
— Ora, Irmão, sei
que muitas vezes falta comida aos pobres monges, mas o senhor estará
querendo cozinhar um papagaio? — perguntou surpreso o velho Simão.
— Claro que não!
Dê-me a avezinha, eu vou alimentá-la e tratar dela.
— Pois não, pois
não, Irmão. Nada tenho a perder com isso. Aqui está. É até um
favor levá-lo. Isto dizendo, entregou-lhe o pássaro enfermo.
* * *
Sob os cuidados do
bondoso irmão, o papagaio refez-se e cresceu, revestindo-se de uma
nova e vistosa plumagem verde. E logo, fazendo jus aos atributos de
sua raça, começou a imitar o que falavam os monges. Animado, irmão
Bartolomeu começou a ensinar-lhe a Ave Maria.
— Que é isso,
Irmão? Quer ensinar catecismo ao pássaro? — gracejou outro monge.
— Ora, não é
bonito ver o animalzinho repetir a Saudação Angélica? E falava
alto: “Ave Maria!” E o papagaio repetia com seu “sotaque”
característico: “Ave Maria!”
Passando por ali
nesse momento, o Padre Guardião do convento também sorriu ao ver o
Irmão Bartolomeu no seu labor de ensinar o pássaro. E o preveniu:
— Cuidado com seu
“aluno”, Irmão, pois esta tarde anda pelo vale Jacques, o
falcoeiro!
De fato, olhando
pela janela, Irmão Bartolomeu pôde vê-lo à distância. Ele tinha
sérias razões para não gostar do falcoeiro. Jacques sabia que em
volta do mosteiro franciscano sempre voavam pássaros de várias
espécies, pois o lugar silencioso e pacífico lhes servia de abrigo.
Assim, quando a caça andava fraca nos vales da região, ele
terminava seu percurso próximo ao convento, certo de encontrar
presas fáceis e desavisadas nos telhados dos frades.
Muitas vezes
Bartolomeu tinha visto as mais brancas pombas perecerem despedaçadas
nas garras dos falcões. Mas o que mais lhe doía era o fato de
Jacques ser um mau cristão que freqüentava tabernas e escarnecia da
fé popular.
Estava o frade
imerso nessas lembranças, quando de repente um aviso o chamou de
volta à realidade:
— Cuidado, Irmão
Bartolomeu, o papagaio fugiu!
Ao voltar-se
surpreso, viu o vulto verde saindo pela janela oposta. Ainda gritou,
chamando-o de volta, mas ele já voava contente por cima das árvores.
Péssima hora para escapar... O bom frade já via, ao longe, um
grande falcão que, voando em círculos à procura de alguma presa,
subitamente avistou o papagaio e se precipitou sobre ele como uma
flecha. Em vão o Irmão Bartolomeu procurou adverti-lo, o pequeno
pássaro nem sequer ouvia sua voz.
Quando este, afinal,
deu-se conta do perigo, já era tarde demais: o falcão já estava
sobre ele. Apavorado, o papagaio não teve senão a reação
instintiva de gritar tão forte quanto podia:
— Ave Maria!
Qual não foi a
surpresa de todos quando, mal esse brado saíra do bico da espavorida
ave, viram o falcão precipitar-se morto por terra, como se tivesse
sido fulminado por um raio!...
Revista Arautos do Evangelho n.53. Maio 2006
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